Parte II

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Alessa me pegou pelo braço e começou a nos levar para a saída do museu. Ao chegarmos na rua, uma mulher se aproximou. Tinha os cabelos cacheados e aparentava estar na casa dos trinta, vestia jeans e uma jaqueta azul, e usava luvas de couro. Alessa sorriu para ela, porém, a moça não retribuiu, me olhava de um jeito estranho.

― Marcelo, essa é a Rita. Ela precisa muito da nossa ajuda.

Eu disse um oi, e Rita apenas maneou a cabeça, apreensiva.

Pouco depois, chegamos ao Café e escolhemos uma mesa nos fundos, distante das pessoas e perto das sombras. O lugar era bem aconchegante, meia-luz, paredes de tijolinhos repletas de pequenas esculturas sacras. O garçom jurou que eram obras do Aleijadinho, vai saber. Pedimos, e assim que o homem virou as costas, comecei a falar.

― Como diabos você sempre me encontra? É o remédio?

Alessa nem piscou, e Rita continuou séria e com os olhos grudados em mim.

― Não sei o que nossa amiga gótica aqui te disse, mas eu não mordo ― falei para a jornalista.

― Me desculpe. É que... É que é difícil de acreditar; isso que você faz... ― Rita finalmente falou, aparentando relaxar um pouco.

― Me fiz a mesma pergunta um ano atrás. Mas se Alessa te encontrou, então imagino que você também deva ter alguma... habilidade, certo?

Rita anuiu, e eu comecei a imaginar o que ela poderia fazer.

― Fala com os mortos? Lê mentes? Projeção Astral, talvez?

― Clarisciência ― Alessa adiantou.

Franzi a testa. O garçom voltou com nossas bebidas, nos serviu, e o agradecemos. Assim que ele saiu, Rita prosseguiu:

― Eu consigo ver o passado.

― Ual! Por essa eu não esperava. Mas assim, do nada?

― Não. Preciso tocar antes, tocar em qualquer coisa. Pessoas, carros, essa xícara de café, um inseto, qualquer coisa.

Olhei para as mãos dela, reparando novamente nas luvas.

― Ah, entendi. Então ainda está aprendendo a controlar?

― Sim. Alessa está me ajudando. Não sei o que faria sem ela.

Senti uma conexão com aquela moça, foi a primeira vez que encontrei alguém na mesma situação que eu.

― Marcelo, Rita é jornalista investigativa, das boas, e ela está fazendo um trabalho de suma importância para nós.

O 'nós' se referia a organização sinistra para a qual Alessa trabalha. Só os vi uma vez, e foi o suficiente.

― Agora estão atrás dela e não vão parar até que a matem ― continuou.

― E vocês não tem como protegê-la?

A gótica me encarou, estreitando os olhos.

― Esse é o seu papel.

Eu sabia que não tinha outro jeito, trato é trato, mas precisava tentar.

― Não precisa ser um dos grandes, um dajjal vai servir ― ela prosseguiu ―, mesmo porque, estamos enfrentando humanos.

― Bom saber.

― E você trouxe suas coisas?

― Sim, sempre ando com elas, nunca sei quando você vai aparecer. Só preciso de um corpo.

― Isso é comigo, como de praxe.

Reparei que Rita não tocou na bebida, ela ainda me encarava com os olhos arregalados.

― Posso perguntar qual  é o problema ?

― Ela é católica, e praticante ― Alessa respondeu. ― Ainda está na fase da aceitação.

― Entendi. Pois bem, Rita, não se preocupe, será cem por cento seguro. E talvez você até goste.

Ela balançou a cabeça em uma negativa, moveu o tronco para o encosto da cadeira. Alessa terminou de beber seu cappuccino e, com calma, olhou para Rita:

― Será exatamente como lhe expliquei. Nem mais, nem menos.

Rita pareceu entender, concordando sem falar. Terminei meu suco, cruzando olhares com Alessa.

― Marcelo, vou te passar um endereço, é lá que você vai pegar o corpo. Nós vamos para o mesmo lugar, deveremos chegar por volta das dez. Hoje a gente resolve isso, então amanhã você já pode voltar para suas férias, que tal?

Era a terceira vez que ela me procurava, e como em todas as outras, sempre que ela terminava seu briefing, meu coração começava a bater mais rápido.


O Artesão das TrevasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora