— Filha de quem? — Malu mordeu a espiga do milho e chupou o caldo salgado de dentro, sentada no murinho da casa de Fatinha, um pouco distante da muvuca pra conseguir escutar o que Gegê falava, mas perto o suficiente pra conseguir escutar as músicas e identificar quando a Banda Mix chegasse.
— Pelé, o porteiro da Felipe Camarão e pedreiro também. — Gegê concluiu, pegando mais um estalinho de dentro da caixinha coberta de jornal e cheia de serragem.
Mais pra frente na rua, algumas crianças acendiam chuveirinhos e corriam de mijões acesos das brasas da fogueira.
Gegê estourou três estalinhos na calçada e pôs a caixinha de lado enquanto abria mais o saquinho plástico que guardava a cocada preta pela metade.
— Tu é neta de Santinha? — Malu pulou de cima do muro e jogou a espiga na lixeira da rua. Gegê, com a boca cheia de cocada, apenas murmurou que sim. — Oxe, desde quando?
Malu limpou a mão nos babados do vestido e pegou o pacote de Tareco da sacola.
— 25 de novembro de 1981. — Malu pegou um estalinho de dentro da caixinha de jornal e tentou acertar na janela da casa da frente, mas o chumbinho pipocou antes, no meio da rua.
— Gaiata tu, né? — Ela abriu o pacote de Tareco e jogou logo três dentro da boca.
— É não. — Gegê riu e se ajeitou em cima do muro, com as mãos sobre os joelhos segurando a cocada.
— É que Santinha é assim ó, com voinha. — Malu raspou os dedos indicadores um no outro. — Comé que eu nunca ouvi de tu?
— Faz tempo que eu num mando notícia, formei esse ano e tô voltando pra cá. — Gegê tentou acertar a calçada do outro lado com os chumbinhos.
— Formasse em que? — Malu ofereceu o pacote de Tareco pra Gegê, que pegou alguns.
— Engenharia. — Ela jogou um Tareco na boca e acertou a lata de lixo da outra calçada com um estalinho, que estourou em uma pequena explosão amarela.
— Tu tava morando em Natal, era? — Malu apoiou as mãos sobre o muro antes de se puxar pra sentar em cima de novo.
— Era. A banda tá custando, né?
— Tá demais, tu que num viu a do carnaval. — Malu deixou o pacote com Gegê e pulou do muro, pegando mais três estalinhos da caixa e jogando um depois do outro na parede.
— Por que tu tava sem par?
— O tratante do Gilso deu pra trás, ô bicho fulero, visse? — Gegê olhou pra Malu, sem fazer ideia de quem era Gilson, mastigando o resto da cocada preta que havia comprado mais Malu nas feirinhas. — Meu amigo. Tinha combinado de ir eu mais ele.
— Ah, cês namoram? — Malu quase caiu pra trás, gaitando.
— Gilso? Gilso é viado. — Malu olhou pra Gegê. — E eu gosto de mulé.
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Changê ⚢
Short StoryJunho de 2006. Maria Luiza, Malu, ou Nêga, filha de dona Neném e seu Lourenço, do Restaurante Benfica, e neta de dona Felicidade, a costureira ali da Rua São Jorge, é lésbica, tem 23 anos e mora em Extremoz-RN. No dia da quadrilha da festa junina...