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Bruna Martins

     E novamente eu estou pisando nesse complexo, mais uma vez estou subindo por essas ruas com o sol rachando a minha cabeça, e mesmo depois de cinco anos parece que nada mudou, são as mesmas pessoas, as mesmas casas, as mesmas crianças jogando bola na rua e brincando por aí, os meus vapores armados, acho que apenas eu não sou a mesmo por aqui.

      Cinco anos que eu saí desse complexo com a promessa de nunca mais voltar, parece que a saudade falou mais alto, afinal, eu já fui uma dessas crianças correndo por essas ruas, subindo em árvores, jogando bola, enfim, esse lugar tem as minhas raízes, tem 25 anos da minha história, a parte mais linda e mais dolorosa dela.

       Uma vez eu li em um livro, "Essa e em todas as vidas - Anne Marck" para ser mais específica, eu li um trecho que me chamou muita atenção, e que nesse momento, enquanto eu subo as ruas do complexo com um rumo certo, faz total sentido para mim.

" Memórias têm um poder muito forte dentro da gente. Podem nos levar para o momento mais feliz de nossas vidas, ou para o pior que já tivemos. E, no meu caso, os dois extremos estavam ligados à mesma pessoa."

       No meu caso, esses dois extremos não estão ligados à mesma pessoa, quer dizer, não somente a mesma pessoa, mas principalmente, ao mesmo local, pois foi aqui que tudo se iniciou, e que também tudo chegou ao seu, o complexo do Alemão foi o palco de boa parte da minha história.

        História essa que teve suas partes boas, e suas partes dolorosas, que me deixaram marcas que jamais serão esquecidas, cicatrizes essas que nunca serão apagadas, mas que de vez em quando, se abrem novamente, voltando a doer dobro do que já doeu um dia.

          Mas enfim, hoje eu estou subindo esse complexo disposta a iniciar um novo capítulo dessa história, e não há nenhum lugar melhor para recomeçar, do que o lugar onde tudo começou... Depois de cinco anos, eu finalmente consegui o meu emprego de volta, o postinho voltou a abrir para a graça e honra do senhor.

         Voltei a ser oficialmente enfermeira do postinho do Alemão, e agora tudo está de última geração, o postinho agora se tornou outra coisa, algo muito melhor do que aquilo que ele já foi um dia, com equipamentos melhores, profissionais capacitados, e tudo mais, a Elisa disse que o Lobão resolveu reabrir o postinho com os recursos dele, e como não séria ele? Bom, agora eu sou uma enfermeira da unidade básica de saúde, Cecília Martins Vasconcelos.

        Sim, a unidade básica de saúde leva o nome da minha filha, minha pequena estrelinha Cecília, o papai dela achou a forma mais linda para homenagear o nosso anjinho, ajudando outras pessoas a terem atendimentos e seguirem uma vida com saúde.

          Eu ainda não vi o Lobão, desde que ele terminou comigo, quer dizer, depois daquele dia eu só o vi quando fomos assinar o divórcio, depois disso eu nunca mais o vi na minha frente, e nem sei se eu quero tal coisa, sinto medo dos sentimentos que ainda guardo comigo.

[...]

May: o primeiro paciente do dia chegou- fala entrando com o Leonardo na sala de enfermagem.

       Eu fui embora do complexo mas nunca me afastei de ninguém, vivo me encontrando com a Elisa para beber só nós duas, ou todo mundo junto, vivo saindo com o baby da dindinha, com o Urso e todos os rapazes, o único que não quis manter contato comigo foi só o Lobão mesmo, mas enfim, vida que segue, e a minha seguiu bem sem ele ao meu lado, por mais que eu quisesse que seguisse com ele junto comigo.

Eu: oi amor da dindinha- falo pegando o meu baby afilhado no colo e já dou um beijo no rostinho dele.

        O meu afilhado me pede a benção, dou a benção a ele e já vejo qual vacina o meu gatinho vai tomar hoje, confiro bonitinho para ver se está tudo ok, preparo a vacina e já a aplico no meu amor que só faz chorar.

May: como está sendo voltar para cá?- pergunta balançando o seu filho nos seus braços para o acalmar.

Eu: eu ainda não decidi se está sendo bom ou ruim- falo dando um sorriso amarelo.

May: muitas cicatrizes sendo abertas?- pergunta e eu confirmo com a cabeça.

Eu: muitas memórias voltando, e com elas os sentimentos- falo e ela confirma com a cabeça.

May: já fez a mudança?- pergunta e eu faço sinal de mais ou menos com as mãos.

Eu: tenho que pegar só algumas malas no meu apartamento agora, mas a partir de hoje mesmo eu volto a morar aqui no Alemão, na mesma casa em que eu morei com o meu pai- falo e ela confirma com a cabeça, mesmo me olhando com aquele olhar de dúvida.

May: você tem certeza que isso vai te fazer bem?- pergunta e eu nego com a cabeça.

Eu: não, mas fazer o que? Fazendo bem ou não, aquela é a minha casa e o meu pai ia querer que eu voltasse a morar nela, eu não vou me desfazer daquela casa, e acho que ja passou da hora da moradora original voltar para ela- falo e a minha comadre confirma com a cabeça.

May: vamos jantar juntas hoje? Eu, você, o Leléo, o Urso, a Lis e os rapazes?- pergunta e eu apenas confirmo com a cabeça.

Eu: jantamos todos juntos e eu volto ao trabalho, hoje o meu plantão segue até a madrugada- falo e ela faz careta.

May: as vezes eu esqueço que o Lobão transformou isso aqui em um pronto socorro- fala e eu dou risada.

Eu: pronto socorro UBS vai, não vamos menosprezar, primeiro pronto socorro UBS que eu vejo na vida- falo e demos risada- mas ele está de parabéns, isso aqui era tudo o que a comunidade estava precisando- falo e ela confirma com a cabeça.

May: eu bem sei mulher, por mais que o meu querido marido goste de pagar uma fortuna em hospitais, quando eu preciso correr com o Léo para um hospital, os hospitais particulares ficam muito longe, então a gente corre para o pronto socorro, com isso aqui aberto agora, vai facilitar a vida da mamãe aqui em mil vezes- fala e eu confirmo com a cabeça.

Eu: não só a sua, mas principalmente das mães e dos filhos que não tem condições de pagar fortunas e mais fortunas em hospitais- falo e ela confirma com a cabeça.

May: meu amor, agora eu vou indo que eu tenho um monte de coisa para ajeitar, depois me manda mensagem avisando que horas você sai para jantar- fala e eu apenas confirmo com a cabeça soltando um "vai com Deus".

         Sim, a dona Maya se casou com o Urso, isso foi a uns quatro anos atrás, acho que o Léo tinha 6 meses quando eles resolveram morar juntos, e estão nessa até hoje, o casal mais lindo e mais parceiro que eu conheço, quer dizer, um dos casais mais lindo e mais parceiro que eu conheço.

          Elisa e Gustavo também formam um casal lindo e doido, esses dois se assumiram em um ano, e no outro já estavam morando juntos, seguem a três anos nessa também, são a coisa mais linda e mais perfeita de se ver nesse mundo, até acho graça de ver.

          Já eu e o LK seguimos sendo os únicos encalhadões do nosso bonde, o Lucas ainda se envolve com meio mundo de gente, já eu sou mais na minha, prefiro focar na minha vida profissional que está valendo mais, bem mais para ser sincera.

Mulher de Vagabundo (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now