2. Relíquias

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— Você pensa demais nessas coisas, Elliot. — Carl Westerling analisava o uniforme que estampava uma das paredes do quarto de Brent. O lobo branco, a Luz Noturna, como era conhecida em outros tempos.

— Guardar souvenirs não é pensar demais. — Ele evitava olhar para o amigo e para o uniforme. Tinha as mãos em seu laptop, analisando o relatório de contabilidade que recebera naquela tarde. — Sabia que a empresa gasta mais com café do que com whisky? Que decepção, esses jovens de hoje.

— Por que expõe isso em seu quarto, então? Devia deixar no porão, junto com as outras relíquias que você tem lá. — Dr. Westerling era cardiologista, mas adorava bancar o psiquiatra em suas conversas com Elliot. — Dê graças a Deus que eles tomam café. Imagine essa geração, se trabalhasse bêbada como nossos pais e avós faziam?

Elliot riu. A discrepância entre aqueles que iam trabalhar nas minas de carvão regados a destilados no início do século XX, e os que precisavam de um copo de Starbucks todas as manhãs para mexer em seus celulares, o divertia. A que ponto tinham chegado?

— É um lembrete. De meu passado, e de minha promessa a Mary. — O magnata explicou, olhando de relance para o uniforme e voltando seus olhos para a tela do computador. — Às vezes eu acho que precisamos de uma nova proibição, só que desta vez para o café. Está deixando eles mais dependentes do que cocaína.

— É verdade que o Montanha adorava cheirar um pó? — Carl deixou a fantasia para trás e se aproximou de Elliot, dando uma olhada nos números no computador.

— Os entorpecentes não tinham efeito nele. — Brent explicou, pacientemente. — De que adianta usar drogas se não vai sentir nada?

— Deve ser uma vida triste. — Westerling olhava para o copo de Whisky em sua mão. — Não poder ficar bêbado.

Elliot tirou os olhos do computador novamente, refletindo sobre as palavras do amigo. Há muito queria uma nova oportunidade de conversar com seus velhos amigos. Qual seria a resposta do Monge para essa afirmação? Ele com certeza teria algo inteligente e sábio para dizer, mas toda essa sabedoria se perdera com sua morte.

— Um homem com a força para mover montanhas e arranha-céus, acho melhor que não possa ficar bêbado. — Foi a única resposta que conseguiu conjurar.

Carl fez uma longa pausa, aproximando-se da janela e olhando para a cidade à distância. A Mansão Brent ficava numa área rica de Austin, nos subúrbios, de onde podia-se ver a torre que era sede da Brent Foundation. Elliot posicionara seu quarto ali, com vista para o grande prédio prateado, sempre mantendo um olho atento ao que acontecia na sede de seu segundo maior patrimônio.

— Vai ver as meninas neste fim de semana? — O médico perguntou, após saborear mais um gole de sua bebida, agitando um pouco o copo e fazendo o gelo tilintar ali dentro. Brent suspirou.

— O país está se preparando para o momento em que o presidente irá anunciar a recessão. — Ponderou o empresário. Mas o outro lado de Elliot, o pai, contrapôs: — Porém os políticos e a bolsa não operam aos sábados e domingos.

— Você está preocupado demais com essa crise. — Carl criticou o amigo. Ele sempre via com mais leveza que Elliot aquelas situações. — Por quantas dessas a Brent Foundation passou? E até hoje não afundou.

— Das outras vezes eu não tinha metade dos meu conselho deliberativo gritando que eu deveria mudar a operação inteira para a China. — Elliot se levantou, e se aproximou do amigo, olhando também pela janela para o prédio à distância. — Acho que vou visitá-las neste fim de semana. Se o pior tiver que acontecer, deve ser na segunda-feira.

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