Capítulo II - A PENITENCIÁRIA

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Nessa época, elevava-se junto da Igreja de São Jorge, no bairro de Southwark, a Penitenciária. Era um edifício retangular, que lembrava uma caserna, dividida em cubículos miseráveis e cercada por um pátio estreito e empedrado, rodeado por altos muros eriçados de pontas de ferro. Nela eram encerrados os que na altura não tinham condições para liquidar as suas dívidas a credores impacientes. vinham, com freqüência, acompanhados da família, instalar-se por algumas semanas naqueles cubículos exíguos.

Um dia, muito tempo antes do início da nossa narrativa, um cavalheiro de certa idade, de ar muito amável e desamparado, para lá foi conduzido. Ao carcereiro que fechava o portão de ferro declarou que decerto sairia dentro de um dia ou dois - É o que toda a gente pensa! Murmurara o carcereiro -, e que era até desnecessário desfazer as malas. A grande preocupação daquele homem tímido era a esposa:

— Que pensa o senhor, ficará ela muito impressionada quando amanhã me vier esperar à porta da prisão? - perguntou ao carcereiro.

Este respondeu que, geralmente, tal não acontecia, mas que dependia do temperamento das mulheres.

— Ela é muito delicada e inexperiente.

— Nesse caso, evidentemente.

— Está tão pouco habituada a sair sozinha que pergunto a mim mesmo se conseguirá encontrar o caminho para aqui.

— Talvez apanhe um fiacre - sugeriu o carcereiro.

— Assim o espero. Mas quem sabe, hum, se isso não lhe ocorrerá Diga-me, receio... espero que não lhe seja proibido trazer os filhos, não é verdade?

— Os filhos - retorquiu o carcereiro. - Proibido! Santo Deus, o pátio está cheio de miúdos! Parecem formigas Quantos tem?

— Dois - balbuciou o prisioneiro, entrando no pátio.

O carcereiro seguiu-o com os olhos.

— O senhor também é uma criança, o que faz três. E a sua mulher também, aposto, o que faz quatro. E decerto que vem um a caminho, o que faz quatro e meio. E o mais fraco de todos não é o que 'tá p'ra vir. - pensou.

A família instalou-se no dia seguinte, convencida de que ficaria apenas por alguns dias. Mas os negócios daquele devedor estavam tão enredados - ele próprio não percebia nada daquilo - que os guarda-livros e os conselheiros, que tentaram pôr o assunto em ordem, se viram por fim obrigados a desistir, em face da inexplicável confusão dos papéis.

— Sair? - comentava o carcereiro. - Aquele nunca mais sairá!

Como previra, cinco ou seis meses mais tarde, o endividado apareceu, uma manhã, esbaforido, pedindo que lhe fosse buscar um médico: a mulher estava prestes a dar à luz. De forma que o terceiro filho nasceu na prisão: era uma pequenita frágil, de quem, em breve, todos os prisioneiros muito se orgulhavam e que ficou a ser chamada o Bebé da Penitenciária.

E, gradualmente, o cavalheiro foi-se habituando àquela vida de recluso. começou mesmo a descobrir nela uma certa segurança: sentia-se ali protegido das desgraças que era incapaz de enfrentar. A família encontrava-se agora instalada, os filhos mais velhos brincavam no pátio e toda a gente conhecia o bebé. o próprio prisioneiro admirava o recluso.

E - Que homem distinto - dizia para consigo -, um autêntico cavalheiro, que sabe tocar piano, que fala francês e até italiano!

Quando a recém-nascida completou oito anos, a mulher do endividado, cuja saúde era frágil, faleceu. O marido encerrou-se no cubículo, saindo de lá quinze dias mais tarde, de cabelos grisalhos e, depois, a vida retomou o seu curso normal: as crianças continuaram, como antes, a brincar no pátio, vestidas de preto.

A Pequena Dorrit (1857)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora