EPÍLOGO

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Num magnífico dia de Outono, o recluso da Penitenciária, depauperado mas restabelecido, escutava uma voz que lia para ele. Os campos dourados haviam sido mondados e lavrados, os frutos maduros de Verão tinham desaparecido, as maçãs avermelhavam nos pomares e as bagas carmesins da sorveira salpicavam a folhagem amarelada.

Inalterável e nua, ignorando as estações com o seu rosto marcado pela pobreza e pela preocupação, a Penitenciária não fora alegrada por nenhum ornamento. As flores podiam desabrochar, os seus tijolos e grades exibiam sempre as mesmas searas mortas. Clennam, todavia, ao escutar a voz que lia para ele, ouvia ressoar nela a Natureza-Mãe e todas as músicas com que se embalam criaturas humanas. Quando a voz se calou, tapou os olhos com a mão, murmurando que a luz era demasiado forte.

— Isso depressa acabará, querido senhor Clennam. As cartas que o senhor Doyce lhe manda vêm cheias de amizade e encorajamento e o seu advogado também diz que tudo se vai resolver.

— Querida filha! Querida menina! Minha boa amiga! Diga-me a verdade, Pequena Dorrit, veio cá muitas vezes quando eu não a podia ver?

— Sim, vim cá algumas vezes, mas sem entrar no quarto.

— Quantas?

— Bastantes - respondeu ela timidamente.

— Todos os dias?

— Acho - disse ela, depois de hesitar - que vim pelo menos duas vezes por dia.

Ele pegou-lhe na mãozinha e abraçou-a com fervor.

— Querida Pequena Dorrit, não é só o meu cativeiro que vai acabar, mas também o meu sacrifício. Precisamos de nos mentalizar que nos iremos separar para cada um seguir o seu caminho. Não se lembra do que dissemos quando regressou?

— Oh, não, não esqueci! Mas aconteceu uma coisa. Sente-se melhor hoje?

— Otimamente.

— O suficiente para saber a grande fortuna que me calhou?

— Sentir-me-ia tão feliz! Nenhuma fortuna é demasiada para á Pequena Dorrit!

— Esperei com impaciência para lhe dizer! Tem a certeza que não vai aceitar?

— Nunca!

Ela olhou-o em silêncio, com uma expressão no seu rosto afetuoso que ele não compreendeu.

— O que antes de tudo lhe quero dizer sobre a Fanny vai deixá-lo desolado: a pobre Fanny perdeu tudo. Só lhe restam os honorários do marido. Tudo o que o papá lhe deu, pelo casamento, desapareceu, porque o seu dinheiro estava depositado nas mesmas mãos. E o meu pobre irmão! Também ele perdeu tudo. E a quanto imagina que a minha própria fortuna ascende?

Como Arthur a olhava com apreensão, pousou-lhe a cabeça no ombro:

— Não tenho nada de nada. Sou tão pobre como quando aqui vivia. Quando o papá voltou a Inglaterra, confiou todos os seus bens nas mesmas mãos e tudo se dissipou. Oh meu melhor amigo, ó mais querido dos meus amigos, tem a certeza de que não quer agora partilhar a minha fortuna?

Ele estreitou-a contra o peito, deixando correr lágrimas de emoção, enquanto ela lhe punha os braços em redor do pescoço.

Nunca mais nos separaremos, meu querido Arthur! Até ao fim dos nossos dias, nunca mais! Amo-o tanto! Preferiria passar a minha vida aqui, consigo, saindo todos os dias para ganhar o nosso sustento, do que possuir a maior riqueza do Mundo! Oh! Se o meu pobre pai pudesse saber como sou feliz, neste quarto onde ele por tantos anos sofreu!

Algumas semanas mais tarde, numa bela e soalheira manhã, a Pequena Dorrit e Arthur Clennam subiam os degraus da Igreja de São Jorge, situada perto da penitenciária. Junto ao altar, eram aguardados por Daniel Doyce: regressado dos países distantes onde fizera prosperar as suas descobertas restituíra a Arthur a sua fortuna, a sua liberdade e o seu lugar de sócio.

E o casamento foi celebrado diante de um grupo bastante comovido. o senhor Pancks dava muito galantemente um dos braços a Miss Flora e o outro a Maggie, enquanto atrás deles se encontravam John Chivery e o seu pai e outros carcereiros que por uns minutos tinham acorrido a admirar a felicidade do Bebé da Penitenciária.

Ao saírem, a Pequena Dorrit e o marido detiveram-se, por um instante, nos degraus do pórtico, para contemplarem o fresco panorama da rua, banhada pela límpida claridade outonal. Iam conhecer uma modesta vida de bondade e ventura, inseparáveis e abençoados. Desceram, pois, prazenteiramente, as ruas tumultuosas e, enquanto penetravam nas sombras e na claridade, o bulício, a cupidez, a arrogância, a obstinação e a vaidade prosseguiam a sua louca ronda.

FIM

A Pequena Dorrit (1857)Where stories live. Discover now