Na torre Oeste

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Tema 5: Livre – beijo de despedida

*

Fit estava na torre Oeste do castelo, as mãos apoiadas no parapeito da janela, o corpo inclinado para frente. Ninguém ia ali, principalmente depois da morte do rei, mas o jovem príncipe – em poucos dias, jovem rei – gostava daquela torre em específico. Era a mais alta da construção inteira, e, dessa forma, poderia observar tudo sem ser julgado por isso.

Como costume, estava sem a coroa. A peça de prata, incrustrada com pedras preciosas, estava apoiada no chão perto do pé dele. Ali e em seu quarto eram os únicos lugares onde era permitido a ele permanecer sem aquela peça tão pesada – não literalmente, mas metaforicamente. Fit não odiava a Coroa, mas odiava certas imposições que ela colocava sobre ele. Sobretudo, sobre quais relacionamentos ele deveria ou não ter.

Os olhos mel do jovem monarca recaíram sobre os jardins dos fundos, onde alguns guardas terminavam de montar mochilas e selar cavalos; Fit sabia que estavam organizando uma escolta para um dos membros do conselho, e observava o grupo de homens, a maioria da mesma idade, conversando, tirando algumas coisas na sorte e simplesmente esperando a hora de partir.

O príncipe suspirou, curvando mais ainda os ombros. O peso da capa trazia um conforto curioso, ainda mais por causa do frio envolvendo o reino de Vaccum, e ele ergueu a mão para ajeitar a peça ao redor do corpo.

Fit procurava um guarda em específico, pois sabia que, embora fosse seu guarda pessoal, Pac ainda assim sairia em escolta naquele dia. Mesmo de longe, percebeu que nenhum dos jovens no quintal era quem buscava – todos eles tinham os cabelos curtos, não completamente raspados, mas diferentes dos de Pac, que eram compridos, sempre presos em um rabo de cavalo.

— Me procurando? — A voz do guarda soou atrás dele, ao mesmo tempo que o ranger da porta indicava alguém entrando no cômodo. Fit continuou de costas, mas um sorriso teimoso cruzou seus lábios, ao qual ele não conseguiu segurar.

— Você nunca vai deixar de ser um convencido, não é? — Perguntou. Ouvia os passos leves do guarda pessoal, só sendo capaz de identifica-los por conta do assoalho antigo.

— Você me ama sendo assim — Pac respondeu de volta, tão perto do príncipe que o vento quente de sua respiração bateu no pescoço dele; Fit se contorceu com as cócegas, ao mesmo tempo que os braços fortes e musculosos do guarda o abraçavam por trás. — Confesse.

— Eu confesso, sou louco por você sendo convencido — Fit respondeu, sentindo o namorado rir. Pac começou a beijar a nuca dele, fazendo-o se contorcer novamente em cócegas. — Você precisa mesmo ir? Eu não posso fazer nada pra você ficar?

Pac suspirou. Já tiveram aquela conversa algumas vezes; Pac não costumava sair em escoltas, especialmente em uma para levar um perigoso prisioneiro de um reino para outro, para que fosse julgado. Há anos havia sido contratado para trabalhar diretamente como guarda pessoal de Fit. Embora fosse alto e musculoso, o príncipe era mais alto e mais musculoso ainda, fazendo o guarda passar quase despercebido quando estavam lado a lado; isso, somado à rapidez dos movimentos, à furtividade e às técnicas de luta de Pac tornavam ele o candidato perfeito para o trabalho.

— Você é o rei daqui, Fit. Se quiser me impedir de ir, basta dar uma ordem e eu não irei — Pac resmungou. Fit finalmente virou-se de frente para o namorado, apoiando as costas na janela e cruzando os braços na frente do peito, a expressão fechada em descontentamento. A expressão do outro estava igual.

— Eu ainda não sou rei.

— Vai ser. Em menos de um mês. — Pac também deu um passo para trás, cruzando os braços. — Eu também não quero ir, Fit, mas foram as últimas ordens do seu pai e não dá pra simplesmente ignorar, né?

Fit observou o namorado, tentando gravar cada mínimo detalhe dele: a pele mais escura, os cabelos compridos, os olhos amarelos que sempre brilhavam como fogo de lareira quando conversavam. Pac estava sem a roupa da guarda real, usava um conjunto simples e em tons terrosos para se camuflar na floresta, e, aparentemente, não carregava armas – embora Fit tivesse certeza que havia ao menos cinco ou seis adagas escondidas entre as camadas de tecido grosso.

Mas Fit também reparou pequenos detalhes, detalhes que poderiam passar despercebidos por quem não conhecia Pac tão bem – a cicatriz clara debaixo do olho, o jeito que a calça na perna direita ficava um pouco mais folgada por conta da prótese, as unhas das mãos roídas até o talo, os círculos escuros de olheiras porcamente escondidos por maquiagem. Depois da morte de Spreen, nenhum dos dois estavam tendo boas noites de sono por conta do tanto de burocracia envolvidos na troca de coroas. Pac estava junto de Fit desde o assassinato, ajudando-o e praticamente enxotando conselheiros quando eles passavam do limite.

— Desculpa, Pac — Fit finalmente cedeu, e os dois desfizeram a postura irritada ao mesmo tempo. — Eu sei que você não quer ir. Eu só fico preocupado contigo, só isso.

— Eu sei meu amor. — Pac suspirou de novo, aproximando-se e envolvendo a cintura do namorado em um abraço. — Queria que não fôssemos guarda e príncipe-quase-rei.

— Para de me chamar assim — Fit riu de leve, levantando uma mão para brincar com as mechas soltas do cabelo dele. — Eu também queria. — Confessou, talvez pela milésima vez desde quando começaram a se envolver. — Quando vocês voltam?

— A previsão é em quatro dias. — Pac puxou o namorado para mais perto, desafiando as leis da física para que pudessem trocar um abraço apertado. — Vai ser tranquilo, meu rei. Logo eu volto e a gente pode terminar de escolher as cores de cortina pra sua coroação.

Fit riu, revirando os olhos. Ele não parava de se surpreender com o quanto Pac o fazia rir tão espontaneamente.

— Cala a boca. Eu não quero escolher mais nada além de você — Fit separou o abraço de leve, segurando o queixo de Pac. — Minha escolha sempre vai ser você, meu anjo.

Pac assentiu. Então, encerrou a distância deles, pressionando os lábios contra os lábios rachados de frio de Fit, carregando um sentimento de despedida, de saudade, de esperança pelo reencontro.

Do lado de fora, um alarme soou, fazendo Pac suspirar em meio ao beijo. Fit conseguia ouvir, ao longe, a comoção dos guardas iniciando a escolta, e sabia que precisaria deixar o namorado ir, sem saber o que aconteceria nos próximos dias; afinal, Pac estaria acompanhando um dos prisioneiros mais procurados do reino, e isso, por si só, já servia para deixa-lo com os nervos à flor da pele.

Desejando prolongar mais o momento, Fit segurou a cintura de Pac e pressionou mais ainda os lábios deles, mas o namorado apoiou as mãos em seu peitoral, empurrando-o de leve para longe.

— Preciso ir, meu rei.

— Promete que vai voltar.

— Não posso te prometer isso, Fit. Você sabe dos riscos.

— Como seu rei, eu ordeno que você volte pra mim. — Fit resmungou. Aquilo arrancou uma risada mais feliz de Pac. Ele deu um outro beijo na boca de Fit e depois, afastando-se, curvou o corpo em uma reverência.

— Se meu rei ordena que eu volte, eu voltarei. 

Em todos os universos te beijei (e te amei)Onde histórias criam vida. Descubra agora