Capítulo 4 - Guerra dos Tronos ou Jogo de Cartas?

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Agora sim ventos estão por soprar e chuvas e tempestades de instabilidade começam a nublar o plano de dominação do único partido de Brasília que ainda faz menção de se ver diante de um horizonte pretensiosamente ensolarado e límpido. A vista de João está embaçada e ele sente uma dor na cabeça sempre constante. Logo ele consegue perceber que está em algo como uma sala de hospital, está sendo alimentado por soro, seus batimentos são televisionados em uma tela que está na sua frente e logo alguém entra pela porta aos gritos de "O chanceler acordou, ele acordou". João não sente suas pernas e mal tem tempo de cogitar que possa estar paraplégico e já vê uma enfermeira surgir com uma cadeira de rodas. Dois rapazes o erguem e ele já está sentado na cadeira. Ele se vê no espelho e está careca e gordo. A enfermeira agradece os rapazes, eles se retiram e ela já começa a empurrar o chanceler corredores adentro, num prédio no qual antes se praticava o exercício do poder executivo e, agora, é a morada de um grupo seleto de indivíduos que comandam, num totalitarismo sem precedentes, toda a América do Sul. - Finalmente o senhor acordou. O presidente já está feliz por ter conquistado as terras cubanas ontem, imagine ao vê-lo acordado. Ele fez mais do que o que o senhor havia arquitetado, ele foi bem mais além. O país hoje é muito melhor do que quando ele assumiu em 2028. Sei que pode estar confuso mas estamos em 2035, você esteve em coma por muito tempo chanceler. Eu fui a enfermeira responsável por seus cuidados e devo dizer que estou muito honrada de ter ajudado o senhor até hoje porque sou muito fã dos seus escritos desde a época em que era uma estudante jovem. - Disse a enfermeira que foi tagarelando até ele estar finalmente na sala do maioral.

A cadeira dele foi posicionada no centro da sala em cima do tapete redondo e vermelho no qual se via estampado o símbolo esquerdista da Nova Ordem que havia criado os Estados Latinos Unidos. Havia bandeiras espalhadas pela sala com aquela suástica e também o homem que estava de costas para ele fitando o horizonte cinzento pela janela estava com um sobretudo vermelho e seu quepe inarredável. O presidente fumava um charuto cubano e tinha no canto dos lábios um sorriso enigmático e nos olhos uma profundeza de anseios incontroláveis. Ele se vira para João e esbafora antes de apagar.

- Aí está você, meu velho amigo. Eu fiquei muito preocupado todos esses anos. Mas o tempo nos recompensou. Antes de apagar você idealizou um mundo e eu executei passo por passo. Como pode ver, funcionou. Tentaram sumir com você mas nos o encontramos a tempo, estava desacordado no porão de uma velha casa. É uma longa história. Mas agora está aqui e é isso que importa. Vou providenciar para que façam sua cirurgia para fazê-lo andar novamente ainda esta tarde. Tem que ser meio correndo assim porque senão não funciona, é uma tecnologia recente com células tronco, importamos do Japão, ou seja, mesmo que tenha ficado paraplégico vamos reverter isso o mais breve possível.

- Eu não estou entendendo muita coisa. Eu não me recordo de quase nada além do meu nome.

- Sim, você deve ter tido uma amnésia. Talvez recupere muitas lembranças se voltar aqui na minha sala depois da cirurgia para continuarmos conversando. Mas o fato é que o senhor sempre foi o meu braço direito no projeto de construção da Nova Ordem, sempre foi um intelectual muito respeitado, antes mesmo de eu te conhecer. O meu livro favorito seu é aquele em que ataca o controle da mídia de massa e afirma que a base de um totalitarismo sadio iniciaria com a extinção dos meios de comunicação. Dito e feito. Você vai entender melhor mais tarde. Por enquanto é importante que se prepare para a cirurgia. Esse negócio aí de células tronco tem sido uma loucura, eu por exemplo, nem envelheci nesses anos que passaram.

A enfermeira entra em seguida na sala outra vez e retira João que aguarda uma equipe de profissionais para atende-lo em outro andar. Logo eles chegam e ele é submetido ao procedimento e quando acorda, horas mais tarde, já é capaz de sentir a pernas outra vez. Mais algumas horas e ele já está de pé, sem o apoio de muletas, apenas um leve formigamento. Já é noite e, por não ser capaz de se lembrar do que houve nos últimos anos, ele pede que alguns dos livros que ele escreveu antes do coma e até mesmo jornais sejam levados até o quarto dele para se atualizar. Mas ele é informado de que há poucos livros ainda existentes nos Estados Latinos Unidos, mas, que os dele são alguns desses. Jornais não há nem em sonho. Depois de passar a noite analisando parte do material ao qual teve acesso, pouca coisa é lembrada por ele. Embora, agora, saiba a razão de o chamarem de chanceler e também entende o motivo de terem tentado sumir com ele o internando em um asilo e manipulando dados para que seus aliados não o encontrassem. Ele tivera sido o responsável por apoiar o regime totalitário que via instaurado, agora, pelas ruas nas quais caminhava enquanto observava as mudanças causadas. Não havia muitas pessoas nas praças, não havia televisão nem jornal impresso e nem mesmo entretenimento. Presídios e bibliotecas tiveram sido destruídos e presos todos incinerados assim como todos os políticos da antiga democracia que foram conduzidos a uma câmara de gás subterrânea e asfixiados até a morte, desde vereadores e prefeitos até deputados e senadores. Poucos juízes e políticos que aderiram e apoiaram o totalitarismo haviam resistido a transformação dos anos. Não havia templos nem religião e qualquer manifestação de fé era punida com a morte por fuzilamento. Era um futuro perfeito porque, salvo casos isolados, não havia violência é uma paz relativa estava instaurada. Todos estavam prósperos na população, prósperos e oprimidos. Até aí tudo o que João observou estava de acordo com o que ele realmente havia idealizado em seus escritos. Mas foi avançando e não demorou a notar que S. H. havia feito muito mais. A Nova Ordem se tornara praticamente a nova religião do povo, quando, na verdade, não deveria existir qualquer idolatria. Quase todos tinham a bandeira vermelha com a suástica preta do partido pendurada em suas casas e muitos se dirigiam ao centro de Brasília para ver ou tocar a estátua de bronze de cinco metros do ditador que estava erigida no centro da antiga praça dos três poderes. Além disso haviam conquistado países vizinhos invadindo e tomando posse de cidades. A qualidade de vida era realmente maior que no antigo regime político, mas, o poder continuava nas mãos de um grupo seleto de indivíduos assim como na democracia em que donos de bancos, grandes empresas e da mídia comandavam o país. João não estava tão contente assim com o que via.

Brasília SitiadaWhere stories live. Discover now