Capítulo 5 - Réquiem

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O ditador dispara contra João e o tiro acerta o livro que cai no chão e João corre contornando a sala com o código em sua mão. Uma explosão é escutada do lado de fora do prédio e mesmo antes de pensar em perseguir João pelo corredor, o impacto da explosão estoura uma vidraça e estilhaços cortam o pescoço de S.H. Mas o maioral não se dá por vencido, pressiona o ferimento com uma mão e sai correndo pelo prédio com a arma na outra enquanto grita efusivamente o nome de João somado ao adjetivo de traidor e mais o acréscimo de um baixo calão, ou seja, fica mais ou menos assim: "João, traidor filho da puta".

Entrementes, a resistência formada pela oposição ao ditador tem vantagem sobre o exército, mas sabem que não durará tão logo as forças de países vizinhos somem com eles. A única e derradeira esperança é a bomba. E o código para ativá-la chega rapidamente, afinal, João vê nisso tudo sua única possibilidade de redenção por ter dado tanta margem à um totalitarista que se corrompeu e não cumpriu com o que ele havia planejado. Para ele aquele código representava o único píncaro de esperança de colocar um fim no erro de ter acreditado que não havia problema em derramar sangue para construir um novo mundo e que era muito mais grave matar um ideal. Quanto mais ele avançava até o forte, mais se sente revigorado e próximo de alcançar seu objetivo. E é então que uma granada explode ao seu lado, arremessando-o para longe. O homem bate a cabeça contra uma pedra pontiaguda e começa a sangrar. Um aliado dele toma o código na mão e se apressa em levar aos responsáveis por ativar a bomba.

Os militantes da resistência definem o perímetro que o impacto da desintegração molecular deve atingir. De sua parte, sabendo que já não há mais esperanças e que a bomba fatal está para ser ativada, o maioral desce até seu bunker e repete a história mesmo tendo lido pouco ou quase nada sobre ela. Assim como um Saul que jamais se deixaria vencer pelos adversários ou um Hitler que não daria aos seus oponentes o gosto da derrota, ele decide se suicidar. O ditador dispara contra a própria cabeça antes mesmo de os aviões com as tropas inimigas já estarem no ar. Tudo o que estiver em baixo, está destinado a se tornar pó, literalmente. Até mesmo João que, abandonado no chão, desperta da queda que teve e surpreende todos que ele ajudou debandarem nos ares enquanto ele fica para ter sua memória reativada. Ele vê toda a vida diante dos olhos e recorda dos seus momentos, das conquistas, das tristezas, alegrias, e de Josefina. As lágrimas gélidas que lhe descem o rosto são a sua expressão líquida da incompreensão sobre tudo o que lhe sucedeu e como passou por mudanças inexplicáveis desde a noite em que se recusou a jantar com a esposa. Talvez se ele tivesse aceitado jantar tudo fosse diferente, talvez se ele não tivesse ignorado a esposa no estúdio, talvez... Talvez. Mas o que ele percebia, agora, é que não se trata de possibilidades que estejam ao alcance de cada pessoa para que sofram alterações, não se fazem escolhas e tudo já está decidido. Nem mesmo as escolhas que ele pensava ter feito na vida tinham sido ele que fez. Nem mesmo pensar sobre tudo isso poderia ser escolha dele e, portanto, ele podia estar errado em acreditar na democracia, no poder entregue às massas e na liberdade de escolha já que tudo fugia do alcance dele e de cada um. Foi com alguns destes pensamentos e ao som da mesma música do vhs de Josefa tocando na radio de um jipe que passa lentamente ao lado, que ele viu o céu mudar de cor e sentiu sua vista escurecer até apagar completamente.

Quando abre novamente os olhos percebe que não foi desintegrado. Está em casa. A música está lá. O jantar ainda na mesa. Tudo está lá, menos, é claro, a esposa.


                                                                              FIM

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⏰ Last updated: Jun 06, 2017 ⏰

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