CAPÍTULO 1

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(Cobi)

11h10 da manhã. Um horário em que absolutamente ninguém ficava tranquilo na oitava B. Qualquer estudioso sobre o comportamento humano teria nessa turma um vasto material de pesquisa sobre como as pessoas reagem sob o efeito da ansiedade. E em cada canto da sala alguém dava sua contribuição para o mosaico de reações. Lá no fundo da turma, havia aqueles que transformavam suas canetas em baquetas e açoitavam sem piedade as capas de seus cadernos, e ainda extraíam sons ainda mais irritantes das espirais que juntavam as folhas. Não muito distante, as garotas testavam em seus rostos as últimas tendências em maquiagens, mesmo com a certeza que o sol escaldante lavaria sua arte com poucos minutos de suor. Mais para o meio da turma, era comum naqueles instantes antes do sinal da saída, que o Guilherme lambesse seus cabelos com um pente velho, sem dentes, que fazia seu cabelo tomar todas as direções, menos aquela programada. E perto dali também estava o Cobi, forçadamente localizado mais a frente, e que sempre nessas horas apontava o queixo para o céu e dedilhava a carteira num ritmo quase incessante. Se já acabou o assunto por que ela não libera logo? A aula era de biologia, e a professora Solange também arrumava suas coisas para se retirar antes da manada adolescente que se armava. Entretanto, uma folha de caderno e uma agenda na mão ouriçaram aqueles que não estavam tão entorpecidos pela pressa:

— Gente, é o seguinte. — A professora foi para frente da mesa como faz nos inícios das aulas — Agora vamos formar as equipes para o...

Mal seus fonemas formaram palavras nos ouvidos da turma e logo a professora teve que proteger os ouvidos do ruído insuportável do arrasto das cadeiras. A confusão durou poucos minutos, e logo todos estavam agrupados com seus manjados grupos de estudo. Ainda bem que hoje ele sentou perto de mim. Cobi olhava toda a confusão com um sorriso cínico e com o braço entrelaçado à carteira do amigo Safo, que o encarava com um olhar de fuga frustrada. Apesar da subserviência, ele superava Cobi em altura e em melanina, e perdia para ele no quesito magreza, tanto que suas roupas eram muito folgadas, mesmo nos tamanhos menores. Outras pessoas conhecedoras do intelecto do menino de ébano se instalaram aos seus lados, e foi bem perto deles que Solange fez seu anúncio:

— Turma é o seguinte, como diria o sábio, as mesmas pessoas te levam sempre para os mesmos lugares. Então para fazer a maioria de vocês que só ficam nas costas dos outros trabalharem um pouquinho que seja, eu resolvi sortear as equipes.

A turma entrou em choque. Cobi se indignou com a cara de satisfeito do amigo, e companheiro de todos os trabalhos que ele não queria fazer. Todos se olharam surpresos e outros dispararam olhares rancorosos para a professora que sorriu sadicamente de seus alunos. Alguns se exaltaram em suas reações, e antes que a baderna se tornasse o idioma daquele trabalho, Solange agiu:

— Se continuar essa bagunça, a gente pode ficar aqui até duas da tarde, com fome e com sede, e aí? Quem topa?

Contrariada, a maior parte da turma se juntou aos conformados, e deu papeizinhos com o nome de cada aluno individualmente anotado. Como prêmio pelo silêncio, a professora decidiu liberar cada um que soubesse em que grupo estava. O trabalho consistia nos alunos, em trios, apresentarem cartazes com ilustrações dos principais sistemas do corpo humano. Sistema nervoso, sistema circulatório, sistema respiratório, sistema digestivo e o sistema excretor. Os 45 alunos da turma seriam separados em 15 trios e cada um desses teria que apresentar uma ilustração feita à mão em cartolina. Me sorteia logo! Está para começar. Cobi não aguentava mais as explicações da professora, e dava pequenos murros na mesa a cada vez que o ponteiro se aproximava das 11h30.

Pelo nono trio, ele teve seu nome chamado, precisamente às 11h25. Ainda dá pra pegar a abertura. O fato de Safo estar numa outra equipe já tinha sido superado, mesmo com sua saída sem comprimentos. Em sua equipe estavam o Gustavo, que morava na outra rua, e uma tal de Jéssica, que era a loira de olhos verdes novata e que não falava muito com ninguém. Talvez ela soubesse como desenhar, talvez ele pudesse convencer Safo a fazer o trabalho, mas ele tinha certeza que deveria chegar em casa o mais rápido possível:

Céu em pedaçosWhere stories live. Discover now