Capítulo 2

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(Cobi)

Cobi ainda estava com os olhos no vazio, numa tentativa em vão de reviver o que há pouco tinha sido testemunhado. Entretanto, não se podia dizer o mesmo dos seus pulmões que ofegavam pelo esforço de trazer a tia de volta para casa. As dúvidas sobre a conclusão da carona cessaram somente quando a bicicleta contornou a ultima esquina e um declive lhe ofereceu um retorno seguro. Já abrigado debaixo da sombra no terraço, Tia Nazareth o olhava com um sorriso no rosto e ele sonhava ficar uma semana sem lavar louça depois de carregar a tia por tanto tempo. Com a bicicleta já guardada e o chão livre de seus rastros, Cobi decidiu se livrar de todo o suor que o misto de emoções passadas o proporcionou, contudo, Penélope ainda tinha ponderações a fazer:

— Cobi! — Mais transtornada do que antes — Como foi que você inundou a cozinha inteira?

Cobi olhou para os lados, tentou fingir que tudo não era com ele, mas o olhar fulminante de sua tia o fez suspirar e preparar os ouvidos:

— É para você lavar a louça, a pia, e não inundar a casa. Presta atenção no que você faz. Aí você larga tudo e sai desembestado por aí. Eu não sei em que mundo você anda, mas quando for lavar louça me faça o favor de ficar nesse mundo...

Tia Nazareth toma a palavra:

— Cobi vai tomar banho. — Despachou o sobrinho com tranquilidade — E você Penélope enxuga a cozinha hoje. — e depois que Cobi se trancou no banheiro disse — E eu espero que você não tenha ido para o mundo de Cobi enquanto estiver cozinhando.

Mesa posta. Enquanto a esperança sobre a culinária de Penélope era a mesma que se destinava a ocorrência de chuvas no deserto, tia Nazareth sempre deixava a mesa cheia, todas as panelas em cima de mesa, amparadas por descansos de panela feitos de diferentes materiais cuja variedade de conjunto era escolhida de acordo com a sua imaginação. Naquele dia, todo o descanso de panela era de madeira e tinham o formato de peixinhos com detalhes azuis.

Os pratos de porcelana eram tão lindos quanto baratos. Os talheres também foram bem escolhidos, todos sem muitos detalhes, mas muito bem conservados. Não havia muito dinheiro na casa da tia Nazareth, ainda assim, seu bom gosto fazia sua casa não ficar atrás em relação a alguém da elite. Todo seu arsenal de acessórios ficava muito bem guardado em um grande armário na cozinha. A coleção era o seu orgulho, tanto com peças novas como também peças antigas. Havia louças que Cobi nunca tinha usado, e outras que nem sequer tinha visto. Somente a tia era responsável por sua limpeza. E para prevenir acidentes, sua manutenção era feita com mais ninguém em casa, geralmente em sábados à tarde. Além de toda a organização da cozinha, na casa de Nazareth, a hora do almoço era um momento importante, em que a regra principal era que todos estivessem juntos:

— A senhora foi na loja que lhe indiquei? — Penélope não mirava para seu prato

— Fui sim minha filha, o pano era barato, mas não achei bom. Vou comprar na mão de Josefina mesmo, é bom que ela costura logo a roupa e me faz um bom desconto. — Tia Nazareth olhava com receio antes de enfiar o garfo no bife acebolado — Ah! Esse ano o cortejo será mais lindo do que nunca!

— Sim tia, me conta o que vai ter de novo.

— Esse ano o Vereador Batista conseguiu mais dinheiro, e a ornamentação do santuário vai ficar coisa de novela.

— Sério mesmo tia? Mas o que vai ter tanto de diferente?

— Mandamos comprar flores na cidade das rosas...

Na cadeira ao lado esquerdo da tia, Cobi de corpo presente raspava com sua faca serra as partes carbonizadas de seu pedaço de bife. Ao mesmo tempo seu olhar permanecia distante como estava na volta para casa. O que quer dizer aquilo? Por que a tia ficou daquele jeito? As dúvidas irresolutas resultaram num profundo suspiro de frustração. Discretamente, ele adormeceu seus talheres ao lado do prato e voltou para o terraço, onde teria a companhia da torre do santuário para suas reflexões. Seu olhar contava com um peso extra, e essa carga não o deixou perceber a aproximação de sua tia:

— O que você viu na loja do Senhor Fraque? — tia Nazareth aparece atrás de Cobi com seu afiado olhar inquisidor

— Nada tia. — Cobi tenta disfarçar, mas não tira o pesar de seu olhar — Só achei que a senhora ia brigar por eu comprar o arroz tarde.

— Não foi só isso. Você não dispensa a comida da Penélope, e olha que estamos falando da comida da Penélope. — a tia mostrou seu espanto — Tem alguma coisa muito errada nisso e eu vou descobrir.

— Fora a comida dela eu não sei não tia. Eu como tudinho pra ela sentir bem como a senhora pede, mas ela só faz piorar. É mais carvão do que comida.

— Está bem meu filho. Vamos fazer o seguinte, hoje e somente hoje quero que você coma tudo, e se possível até repita o prato. — A consciência dela pesou ao ver a reação do sobrinho — Quando eu voltar prometo fazer algo bem gostoso para você e seus colegas de turma. Agora tenho que ir.

— Mas já? A senhora nem tocou direito no prato.

— Pois é, a essa hora na casa da Josefina ainda nem colocaram os pratos na mesa e não vou perder essa chance.

Cobi petrifica seu constrangimento pela atitude de sua tia:

— Poxa tia! A senhora me coloca em cada uma.

— Meu filho, você tem que aprender a observar a oportunidade no meio da dificuldade.

— Mas tia, a comida da Penélope é tão queimada que não dá ver nada debaixo daquela fumaça.

— Menino, te alimenta bem. Senão vou pedir outra carona sua, e dessa vez lá para o final do distrito.

Diante daquela ameaça, Cobi reconsiderou sua avaliação sobre a comida da prima:

— Fica tranquilo. Deixa que o jantar eu faço. Agora volte lá e coma tudo, quando eu voltar a gente conversa. Até mais Cobi! E a louça é sua!

— Até mais espertinha! E obrigado por me deixar no veneno.

A tia sorriu e beijou a testa dele e saiu sem nada nas mãos.

Ufa! Com alguém que cozinha muito mal por perto se tem a justificativa para qualquer coisa. Cobi voltou para a cozinha e olhou para sua prima com o mesmo carinho que olharia alguém que lhe deu uma pedrada bem no meio da testa, Penélope retribuiu com um sorrisinho que testaria os ânimos de alguém mais exaltado. De saída, a prima se despediu sem ouvir resposta de seu primo, que, mergulhava novamente em seu passado muito recente. Ao tirar a mesa, os olhos do garoto descobriram algo que poderia movimentar sua tarde. Bem no canto da mesa ligado a tomada estava o celular de tia Nazareth. Não havia tempo, antes que a porta reabrisse com a tia esquecida, tudo que o garoto podia dizer era:

— Ei Safo! Vemurgente aqui! É sério!    

Céu em pedaçosWhere stories live. Discover now