Ele

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*Capítulo sem revisão ortográfica.

DOIS ANOS DEPOIS

Em uma noite fria na capital paulista

Por que não admite logo que está perdido?

— Porque não é o caso — respondo dobrando a esquerda. — Eu sei exatamente onde estou e para aonde estou indo. Não estou perdido. — Escuto um gritinho frustrado. Um...

Mas que homem teimoso!

Prendo o riso tendo como companhia apenas solidão, minha playlist preferida e o fantasma de uma pantera sentada no banco de trás. Uma pantera negra, de garras e língua afiada. Minha eterna namorada. Minha marrentinha. Ela parou nos trinta e quatro anos e na época dava aulas para adolescentes. Eu sei. Eu sei que isso te remete a uma pessoa meiga. Nunca foi o caso. Meu brigadeiro sempre foi meio amargo. Menos com os alunos dela. Ela era a professora que quebrava o giz e arremessava neles. Eles a adoravam por isso. Pelo seu sarcasmo. Pela sua sinceridade. Pela sua sagacidade.

O nome dela é Ana Beatriz Britta. Ela se apresentava apenas como Beatriz. Bia para os íntimos. Bibi para a Guilhermina, prô para os alunos dela e amor para mim. Ela tinha cabelos alisados na escova e posteriormente ondulados por babyliss que paravam abaixo dos seios. Nesse momento, eu a imagino com braços cruzados, esperando que eu admita que estou errado.

Nunca tive problemas para fazer isso, mas sempre gostei de irritá-la. Eu amava o bico. Ele era demasiadamente divertido.

Ela não está aqui de verdade. Bem que eu queria que estivesse. Ela é fruto da minha mente. Da minha saudade. Eu sei todas as respostas que me daria. Eu a conhecia bem o bastante para ter assunto com ela pelo resto da vida. Era isso que eu queria. Eu queria conversar com ela até o fim dos meus dias. Para começar, foi por isso que eu obriguei o herdeiro da Benite's a engolir os seus princípios e entrar, pela primeira vez, na Tiffany. Foi por isso que eu me ajoelhei aos pés dela com aquele anel de diamantes. É foda demais ficar sem ela. Eu preciso me agarrar a alguma coisa. Preciso escutar a voz dela. Preciso mantê-la viva em algum lugar. Mesmo que seja dentro dos meus pensamentos.

Isso virou um hábito para quando estou triste ou entediado.

Ou seja, eu converso com a minha noiva o tempo todo.

Eu sempre estou triste. E quase sempre estou entediado. Nesse momento, eu também estou cansado. Esfrego o rosto. Tudo que eu quero é a minha casa.

Eu só não sei como chegar nela.

Ah!

Eu sabia.

Espertinha. Ela deveria ficar quieta porque isso é culpa dela. Ela não tinha nada que ter a mania de roubar os carregadores do meu carro. Nunca comprei um novo. Não quis, agora que não tenho ela para roubá-los. Não tenho a menor ideia de onde estou ou de como vim parar nesse buraco. Literalmente. Literalmente porque metaforicamente a minha noiva morreu às vésperas do nosso casamento. Isso explica o fato de eu estar no fundo de um buraco profundo e escuro do qual eu não consigo sair. Percebi que meu celular tinha descarregado quando deixei a empresa do cliente. Isso me estressou, mas eu estava certo de que me lembrava o caminho que eu tinha feito para chegar lá. Eu estava errado.

Terminei embocado em algum lugar do centro. Pessoas sujas e maltrapilhas, em aparente estado de rua ocupam o lugar, algumas aparentemente drogadas. Muitas agrupadas, outras dormindo em barracas ou completamente escondidas por cobertores. E tem aquelas que ocupam a via transitando na frente do meu carro como se fossem as donas dela. Porra. Isso só me irrita mais. Tudo o que eu queria era a boceta do meu Waze. Detesto me perder. Detesto ficar sem bateria. Detesto estar em um lugar tão perigoso no meio da noite sem ideia de como sair dele.

Perdão, amorWhere stories live. Discover now