1° Se for infringir as regras, não seja pega

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Lá estava ele, sentado na árvore mais alta que rodeava aquela casa modesta, com seus olhos incrivelmente bonitos, o cabelo mais macio do mundo colocado para trás pelos seus óculos de Sol de lentes redondas e um saco de doces em seu colo, Satoru Gojo, o cupido mais lindo do mundo, ou melhor dizendo, eu.

Ser um cupido tradicional é um saco. Recebemos uma lista de pessoas que devem se apaixonar e pronto, uma flechada e o trabalho está feito, completamente sem graça, um trabalho sem emoção. Humanos são tão facilmente manipulados que chega a dar dó, quero dizer, sem ofensas, mas vocês precisam apenas de uma flechada para se apaixonarem? Patético.

E é por isso que eu trabalho do meu próprio jeito, gosto de como posso usufruir da emoção que lhes deixam totalmente entregues para o meu divertimento. Como agora, estou observando um casal brigar, segundo as ordens do Yaga, eu teria que flechá-los e cessar a discussão pelo bem das crianças ou coisa assim. Mas o cara é um porre, a mulher limpa a casa e espera o marido chegar do trabalho todos os dias tendo um prato quentinho do jantar só para ele. Na maioria das vezes ele reclama da comida, o tempero quase nunca está bom ou os legumes não estão na temperatura certa para ele. Sério, às vezes até penso em me aposentar para não ter que testemunhar mais esse tipo de coisa, pena que cupidos são imortais e só podemos parar de trabalhar quando completamos 100 anos de trabalho. Sim, 100 anos. Nessa parte eu até que invejo os humanos.

Pego minha pistola quando vejo o irmão do homem se aproximar da casa, soube que eles iriam assistir algum programa de TV juntos. Podem ficar tranquilos, a pistola atira flechas mágicas, eu não vou matar ninguém, só é mais fácil de ter esse tipo de arma do que um arco grande de madeira e uma sacolona de flechas nas costas como os cupidos do século passado tinham. Coitados.

Destravo a arma, esperando o momento certo para tirar. O homem que acabara de chegar é muito melhor do que o irmão, o único problema é que ele também é casado. Yaga infartaria se soubesse o que estou prestes a fazer. Miro na mulher, mas penso duas vezes, na década que estamos, violência doméstica é comum e nem dá uma sentença boa, então direciono a arma ao cunhado dela, puxando o gatilho quando minha mira está perfeita. POW!

Eu só não contava com a mulher saindo do cômodo e a primeira pessoa que o rapaz viu foi seu irmão. Mas que se dane, incesto é permitido em vários países, no Alabama, por exemplo.
Não foi culpa minha, não tenho bola de cristal como o anjo da morte. Foi mal, mulher que tem o marido otário, pelo menos você vai se livrar dele e ser feliz, eu acho.

Desci da árvore e pressionei minha digital no anel rosa que eu usava no mindinho, usamos a biometria para voltar ao nosso mundo, sabe? Bem mais seguro e tal.

Chego na empresa, ela está cheia por ser o horário em que todos estão entregando as listas com “check, check, check,check...”, bem, são vários “checks”, recebemos essas listas com umas 80 pessoas no mínimo todos os dias. É um lugar enorme, estantes com diversos livros e pastas com documentos atingem o teto alto, alguns funcionários as organizam todo santo dia, passando horas descendo e subindo escadas de pelo menos cinco metros o dia todo. Me arrepio só de pensar em subir e descer aquela escada bamba de madeira velha.

Os que ficam no solo estão sempre correndo nesse horário, têm que juntar as listas para entregarem a Yaga o mais rápido possível. Mas não é sempre assim, prometo. As manhãs são calmas, acho que é porque estamos todos sonolentos e esperando nas filas para pegarmos nossa lista do dia, ou porque estamos de ressaca. Pelo menos eu estou.

A fila em que estou é enorme, como todas as outras. Haibara está atrás de mim, ele me cutuca e eu me viro para trás.

— Como foi seu dia?! Eu fiz um casal de velhinhos se apaixonar num museu, agora eles vão poder passar seus últimos anos amando — ele está animado, é novo ali. Não dou cinco meses para ele perceber que tudo aquilo é um saco.

𝐄𝐬𝐭𝐮́𝐩𝐢𝐝𝐨 𝐜𝐮𝐩𝐢𝐝𝐨Where stories live. Discover now