A Escolha

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 Rani ergueu o olhar do livro que estava lendo. Na parede o relógio marcava 18:30.

Kátia já tinha saido para a escola.

Nas mãos do livreiro um livro chamado "Além do desejo", e no ar vibrava "O evangelho segundo são mateus", de Bach que ao fundo um aparelho de vinil tocava.

O livro, escrito por Pierre de La mure, contava como se deu a execução, pela primeira vez, dessa obra, e o que foi a luta durante toda a vida de Felix Mendhelsson, um compositor alemão, nascido em Hamburgo no começo do sec. XIX, que enfrentou o pai, a família, a sociedade, a igreja e tudo o mais para conseguir realizar a façanha de completar a obra inacabada que Johan Sebastian Bach deixou como legado.

Rani se emocionou a ouvir a música que subia vertiginosamente e lhe trazia tantos sentimentos.  Parou de ler por um instante.  

"Um homem só sabe o valor da música quando pode senti-la em seu ser." Um cliente uma vez lhe disse ao ouvir um vinil de Chopin que tocava concerto para piano nº. 1.

Ainda emocionado o livreiro só percebeu que não estava sozinho quando uma sombra projetou-se sobre o livro.

---- Opa! - levantou-se de um pulo --- Desculpe-me, não percebi que estava aí!

----- Não se preocupe. Estou vendo que estava lendo, e muito bem acompanhado. Bach, senão me engano? - disse o homem grande e de bigode vermelho, José Luis.

---- Isso mesmo. Conhece? -- disse Rani detrás do balcão

---- Eu toco um pouco de Piano! Gosto muito de música clássica. Mas gosto mais de piano. Chopin! Debussy!

---- É. Piano é bom. Mas como eu tenho um problema com pianos. Mal começo a ouvir e já me dá sono. Sei lá, gosto mais de cordas e sopros.

---- Straus é um mago em violinos. Já ouviu?

---- Strauss, não tem mais de um?

---- Isso! - o homem sorriu, e colocou uma sacola plástica com pão sobre o balcão. - Franz Strauss era o pai, e estamos falando de Richard Strauss, que fez muito mais sucesso que o pai. Um dia, se puder ouça, "Assim falava Zarastruta", ou então, melhor ainda, "1812", de Tchaikovski. Esses são indicados para quem gosta de cordas.

----- Como eu disse, vivendo e aprendendo. Todo dia aprendo algo.

José Luis coçou a barba vermelha e mexeu no bolso do casaco. Usava casaco e bermuda (combinação interessante, pensou Rani) e de lá tirou um livro de capa vermelha. --- Este é Zanoni, cujo autor, Edward Bulwer Lytton, também escreveu "Os últimos dias de Pompéia". Te falei que ia trazer para ler, lembra? - o rapaz do sebo fez que sim com a cabeça. - Ele foi escritor, político e segundo alguns, rosa-cruz, e seus livros serviram durante muito tempo para estudo, pois acreditava-se que trazia sempre uma simbologia escondida.

Rani ouvia atentamente, no entanto divagava.

Pois afinal recebera um aviso de que iria ser lhe dado uma noticia ruim, e no entanto aquilo ali era tudo coisa boa, até agora.

Aonde estava a coisa ruim?

---- Sabe, Rani, posso lhe chamar assim? É seu nome ou da loja?

---- Tanto faz, o pessoal me chama assim, eu não ligo. Não importa a forma do nome e sim o modo como me tratam.

O homenzarrão sorriu. Um riso franco.

---- Simplicidade e honestidade. Coisas raras. Foste bem escolhido.

O livreiro estacou e fitou seriamente o homem de bermuda.

---- Escolhido? Como assim? O que quer dizer?

O livro maldito  - Os Órfãos de DeusWhere stories live. Discover now