A doação

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Mal o homem saiu Rani correu fechar a porta da loja e o portão de acesso ao corredor desta.

Era muita loucura tudo que tinha ouvido. Já tinha lido livros de auto ajuda e conhecia algumas daquelas coisas que o homem tinha falado. Tinha visto drogados falarem coisas sem nexo, com as órbitas dos olhos voltadas para dentro, mas aquilo ali lhe tinha assustado de verdade.

Súbitamente sentiu frio e foi para onde tinha o seu pequeno quarto, um cubículo nos fundos da loja. Estava vestindo uma blusa quando ouviu lhe chamarem no portão.

Sobresaltou-se. Um calafrio lhe percorreu a espinha.

Quem seria?

Olhou para suas mãos e estas tremiam. Engoliu em seco.

Gritaram novamente seu nome lá de fora. A pessoa parecia ansiosa.

--- Já vai! - gritou tentando parecer firme.

Abriu a porta da loja devagar e espiou pelo vão. Viu no portão de ferro do corredor que dava acesso a loja o vizinho que morava no andar de baixo. Não conseguiu lembrar o nome do rapaz.

--- Fala Rani, beleza? -Tinha um sorriso no rosto. Não conversavam muito. O rapaz vivia correndo para cima e para baixo, estudando, dizia ele.

Era mais alto que Rani e também mais magro. Aparentava ter 18 ou talvez 20 anos.

---- Olá! Tudo bem? Já fechei por hoje. - Saiu para o corredor.

---- HIi! Desencana mano. Só queria levar um lero contigo. A gente quase não tem mais conversado. Tenho um papo legal que pode te agradar. - disse o rapaz atrás das grades do portão.

---- Não pode ficar para amanhã não? Estou cansado e agora está tarde.

---- Pôxa! Que tarde o quê? Não são nem oito da noite. Abre esse portão! Estou parecendo presidiário falando contigo através das grades. Ou melhor, tú que está atrás das grades.

----- É verdade. Desculpe-me. Só um instante que já volto. Vou pegar as chaves.

Rani entrou e pegou a chave no balcão. Esperava que fosse algo rápido.

Não tinha paciência para mais papo nenhum.

As conversas que tivera durante o dia já foram suficiente para deixá-lo assustado.

E agora aquela visita um tanto inusitada.

Abriu o portão e o rapaz entrou na loja.

--- E então? como foi o seu dia? - perguntou o rapaz.

--- O de sempre. Poucos clientes. Trabalho de monte para cadastrar os livros.

O rapaz ficou de pé, junto a uma prateleira. Pegou uma revista de turismo e a folheou a esmo.

--- Seguinte carinha. A gente tá sempre perto um do outro mas nunca saímos pra parte nenhuma. Nos falamos bem pouco, conversamos, mas nunca fizemos nada juntos.

---Você tem razão. Lhe peço desculpas por isso. A verdade é que hoje não estou em um dia muito legal. Eu bem que precisava sair, mas vai ter que ser em uma outra hora.

--- Pois é cara. - o outro sorriu entusiasmado. - Tenho uma coisa boa para te oferecer. Por isso vim até aqui.

--- Coisa boa? Como assim? - olhou espantado para o rapaz que estava de pé no meio da loja.

---- Bicho, seguinte. Meu pai comentou com um amigo dele que você aceitava livros usados como doação. Esse cara é podre de rico e vive viajando. E o cara é amigaço do Pai e ele sempre deixa a chave da casa com a gente. Vem uma ou duas vezes por mês aqui pra floripa. Vira e mexe está na Europa. Daí quando meu pai comentou sobre você ele disse que tinha uma caixa de livros para doar.

O livro maldito  - Os Órfãos de DeusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora