34: Compatibilidade

4.4K 483 283
                                    

"É como uma montanha-russa de sensações estar nessa situação. Ao mesmo tempo em que estamos assustados com toda essa situação e temendo pela saúde de Cícero, tem aquela coisa na boca do estômago... Aquela ansiedade e momento de epifania que crescem a cada dia que passa para nós finalmente o conhecermos. ── Felipe."

Existem momentos na vida que você nunca está preparado para viver, mas descobre que, mesmo sem estar preparado, você vai ter que enfrentar aquele momento. Não podemos fugir para sempre de certas coisas. Ainda mais quando certas coisas podem definir quem você poderia ser ou o que você pode ser.

Podemos, por algum tempo, tentar fugir, mas é difícil escapar dos próprios pensamentos que, dia após dia, te atormentam.

No meu caso, eu não tentava fugir da situação, mas sabia que não estava preparada ─ e talvez nunca estaria ─ para conhecer Cícero. Até alguns dias atrás, Cícero seria apenas um desconhecido, uma criança que eu posso ter visto em alguma praça ou parque; agora, Cícero era o nome do meu irmão, um irmão que nunca conheci e apenas fiquei sabendo da existência porque... Porque ele precisa de nós.

Cícero era apenas uma vítima nessa confusão toda que Guilherme sempre conseguia enfiar os filhos, de alguma maneira.

Ele não tinha culpa do pai não querer que ele soubesse que ele possuía quatro irmãos mais velhos que moravam na mesma cidade. Ele também não tinha culpa de ter Guilherme como pai. E, muito menos, tinha culpa de estar doente. Ele só era uma criança inocente que foi enfiada no meio desse furacão; do nosso furacão.

A prioridade era entender tudo que estava acontecendo com Cícero e tentar afastar Guilherme dos nossos pensamentos.

Minha mãe demorou algum tempo até que conseguiu contatar Guilherme. Eles tiveram dois encontros ─ dos quais não sei absolutamente nada ─ até que minha mãe fosse apresentada a Cícero e ao seu estado de saúde. Foi melhor dessa maneira, acredito. Ela ter sido a primeira de nós a ter conhecido e tido algum tipo de contato com ele, no caso. Ela era médica, uma profissional exímia... Ela com certeza iria ajudar em um primeiro momento melhor do que qualquer um de nós.

Guilherme marcou um último encontro com a minha mãe antes do momento acontecer.

E, desse terceiro e último encontro, nós sabemos o que aconteceu.

Guilherme pediu perdão para a minha mãe. Pediu perdão, na verdade, para todos nós.

Disse que sentia muito por ter sido daquela maneira com a gente, mas que voltar no tempo e consertar seus erros não era possível. E ele implorou para nós não virarmos as costas para Cícero por um erro que ele havia feito conosco no passado. Ele realmente acreditava que algum de nós fosse ser capaz de ser tão covarde e monstruoso como ele era.

Ele nos conhecia tão bem que realmente achou que poderíamos virar as costas para o nosso irmão em uma situação como essa. Talvez Guilherme achasse que, por nós termos um pouco dele, possamos ser da mesma maneira. O que Guilherme não sabe é que nós não somos eles. E nem nunca seremos.

Não ajudar Cícero nunca foi uma opção.

Desde o primeiro momento que descobrimos sobre ele e sobre tudo que ele estava passando, Cícero se tornou nosso assunto prioritário dentro de casa. Nenhum de nós pensou em virar as costas para ele.

Mal sabia Guilherme que conhecer Cícero e ajudar Cícero era tudo que nós queríamos.

Era o momento que nós mais aguardávamos nesse final de ano.

[...]

E então o momento chegou.

No meio de uma semana que havia sido recheada de altos e baixos, nervos a flor da pele e um pedido de namoro nenhum pouco esperado. No meio dessa confusão toda, Rafael encontrou uma maneira de me pedir em namoro, me preenchendo assim, de amor e alegria. Havia sido um dia maravilhoso, mas ele antecedia o dia em que conheceríamos Cícero. E eu estava nervosa ao mesmo tempo que estava feliz e emocionada e carregando mais uma pequena porção de emoções dentro de mim.

5inco | ✓Onde as histórias ganham vida. Descobre agora