Capítulo II - Viagem

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Sinto que estou a caminho, talvez, da minha felicidade. Não sei bem o motivo, mas me sinto ótima, apesar do aperto no coração por ter deixado minha mãe, quer dizer, por ter deixado meu antigo lar. Tentei de todas as formas não pensar mais nela, nem na vida que eu estava deixando para trás, durante toda a viagem. E bem, meu pai e eu não conversamos muito, não temos nenhuma intimidade, afinal esta é a primeira vez que nos vemos, 17 anos depois de meu nascimento. 

Não faço ideia de como será minha vida daqui pra frente. Só eu e meu pai. Não conheço ninguém que ele conhece, nem meu avô, pai do meu pai; e a sua mãe, não está mais viva. Pelo o que minha mãe me contava, descobri que meu pai mora sozinho com meu avô. Depois que meu pai se separou da minha mãe, ele voltou para a cidade natal para morar com os pais e logo em seguida sofreu com a perda da sua mãe. Desde então, meu pai e meu avô uniram as forças e moram juntos. 

Minha mãe sempre falava que a casa deve ser 'muito limpa', pois homens não lidam bem com limpeza e higiene. E agora fico imaginando o trabalho que terei ao chegar naquela casa. Cuidar de dois homens solitários, com corações despedaçados e conseguir transformar aquilo num lar. 

Bem, falo essas coisas sem saber ao certo como é a situação por lá, talvez tenham empregada e mamãe tenha exagerado um pouquinho... 

Quanto mais avançamos pela estrada, percebo que a paisagem à nossa volta muda cada vez mais. Já não se avista mais casas e prédios da capital, apenas uma enorme faixa preta ladeada por vegetação verde, e um horizonte límpido e azul, lindo, como nunca vi. Aproveito a paisagem e pego a câmera para fotografar. No primeiro clique meu pai se espanta e dá olhada discreta em minha direção, estou com segurando a camêra entre as mãos ajustando o foco, para tirar a fotografia perfeita, pelo menos, perfeita para mim. Percebo que meu pai desacelera um pouco e para no acostamento. Olho pra ele, sem entender porque interrompeu nossa viagem. 

- Quer descer pra fotografar melhor? - pergunta, seguido de um pigarreio. 

- Bom... Claro que sim, mas vai ser rápido, apenas algumas fotos - sorrio para ele e desço rapidamente do carro com a câmera. 

Atravesso a pista e percebo que paramos a alguns metros de distância de uma curva inclinada e estamos na beira de um precipício, literalmente falando. Engulo seco quando vejo que meus pés estão alguns centímentros próximos à beira e qualquer movimento pode ser fatal. Dou uns passos para trás e sinto meu pai me segurar pelos braços. 

- É bom ter cuidado, filha - disse, com um tom de preocupação na voz. 

Concordo com a cabeça e antes que eu fale qualquer coisa ele me interrompe, solta meu braço e aponta o indicador para frente. 

- Olha, suas fotos vão ficar boas. 

Acompanho seu olhar e vejo que eu estava completamente errada. Eu não estava admirando apenas um céu azul durante toda a viagem, e sim um imenso mar, imensurável. Fiquei boquiaberta e demorei um pouco para voltar à tona. Uma brisa suave, gélida, nos agraciou, meus cabelos se movimentaram levemente. Meu pai abriu os abraços e fechou olhos, como se estivesse recebendo algum tipo de energia através daquela brisa, que se tornou mais forte e vinha como um vento, um vento anunciando que em breve a chuva viria. Aproveitei aquele momento e fotografei meu pai. Ele novamente se espantou e saiu do transe, sorriu e caminhou em direção ao carro. Acompanhei ele, aquela foto bastava. Não trocaria ela por nada. A fotografia perfeita, meu pai - o figurante - o horizonte, o mar, o céu como se fossem apenas um, compondo o plano de fundo perfeito.

Durante o fim da viagem comentei com meu pai que eu havia tirado a foto perfeita graças a ele, percebi que ele adora receber elogios e receber atenção. Perguntei como era a casa e com o que ele trabalhava lá. Ele puxou um sorriso quando fiz esta última pergunta.

- Você ainda não percebeu? O cheiro? - perguntou, com certo tom de ironia e as sombrancelhas unidas.

- Ah, sim, fede a peixe po... - travei - OH M-E-U D-E-U-S! Você vende peixe! - nem acreditei na minha própria reação, quando vi meu rosto pelo espelho, eu estava tão pálida, acho que o sangue escapou das minhas veias com aquela revelação.

- Na verdade eu tenho um barco e todos os dias vou para o mar, junto com os outros que trabalham comigo e abastacemos outras cidades com nosso peixe - concluiu. - Eu sei que o cheiro não é muito agradável, mas é bom você se acostumar.

A vontade que eu tive naquele foi de virar para ele e dizer 'Me leva pra casa agora'. Mas eu não tive coragem, sou uma tremenda covarde, na verdade, seria mais covarde voltar pra casa nessas circunstâncias. Por isso puxei o sorriso mais angelical de dentro do meu ser e assim permaneci até chegarmos em nosso lar.

Meu pai percebeu que eu estava ainda digerindo a nova informação e permaneceu em silêncio. Quando estava começando a enjoar a viagem, avistamos a cidade. As primeiras casas, pequenas e singelas, cores únicas, em tons pastéis.  A cidade deixou uma boa impressão logo na entrada, avançamos pelas ruas e percebi que eram ruas largas, com meio fio e árvores compondo a paisagem. Entramos numa rua que tinha uma descida e novamente vi a imagem que me encantara durante a viagem: o horizonte azul. A rua parecia ter poucas casas, apenas algumas, tinham alguns mercadinhos e restaurantes, um deles tinha uma fileira de coqueiros em sua entrada e as palhas balançavam fortemente com os ventos. Por fim, avistei o mar. Diferente de outras praias, essa era completamente deserta, sem banhistas, parecia uma praia particular. E para mim seria, minha praia particular.

Meu pai estacionou na frente de um lugar um tanto diferente da minha casa na capital. Era uma casa, na verdade uma metade casa,  metade outra coisa. No lado direito tinha uma pequena varanda e portas de madeira. Do lado esquerdo uma pequena escada, de uns três degraus, nos levava à uma espécie de comércio, tinha aquelas enormes portas de ferro, sem vidros e pude um balcão atravessando metade do salão. Várias caixas de isopor espalhadas e enormes freezers encostados em uma das paredes.

Fiquei um bom tempo observando, aquilo que, supostamente seria meu novo lar.

SophieOnde as histórias ganham vida. Descobre agora