Capítulo III - Novo Lar

23 0 0
                                    

- Bem vinda ao seu novo lar, querida. - disse meu pai, ao colocar uma das mãos sobre meus ombros, e permaneceu comigo assim, como se estivesse vendo pela primeira vez aquele lugar também.

Uma figura de meia idade abriu a enorme porta de madeira, branco, cabelhos grisalhos, roupas de frio e sapatos fechados. Assim estava, aquele que eu estava supondo ser meu avô.

- Venha aqui, pai. Venha ajudar a tirar as malas de Sophie - disse meu pai.

Ele veio até nosso encontro e esboçou um sorriso forçado no rosto.

- Sou Sophie - estendi a mão para cumprimentá-lo, ele correspondeu e trocamos um breve aperto de mãos.

- Pensei que iria morrer sem conhecer você,  menina - disse, sorriu nervosamente e me envolveu num abraço fraternal. Apenas assenti em resposta.

Meu pai nos observava, em nossa primeira conversa e troca de sentimentos. Eu sei que nunca havia estado junto a eles, não que eu me lembre, mas eles são minha família, meu sangue também e eu me sentia extremamente bem com aquela intimidade inicial com meu pai e meu avô.  Parecia que já nos conhecíamos há anos.

Nós três demos conta de levar todas as cinco malas de uma vez só para a pequena varanda da casa. E antes de entrarmos com elas meu pai resolveu me mostrar a casa. Começamos pela sala, pequena e aconchegante,  dois sofás preto, uma tv e alguns quadros enfeitavam as paredes. Seguimos por um corredor que nos levou à cozinha, uma pequena mesa redonda estava encostada numa das paredes, um pequeno fogão, uma geladeira e uma pia, e acima desta uma janela que se estendia por toda a parede, dando-nos visão de uma pequena área atrás da casa.

Era uma casa um tanto sombria, não, sombria não, era obscura. Droga. Por mais que as paredes tivessem cores claras, as cortinas estavam sempre fechadas e o fato de apenas dois homens morarem sozinhos deixava tudo mais sombrio. Era uma casa, ponto. Tinha móveis, sala, cozinha, um pequeno corredor, duas pequenas varandas e quartos. Ah, os quartos, eu ainda não tinha os vistos, mas quando passamos pelo corredor vi algumas portas, portanto deduzi que atrás delas estivesse os quartos.

Meu pai percebeu minha inquietação. E, por mais que eu tentasse, não conseguia disfarçar minhas olhadas para o corredor. Estávamos reunidos, os três, na cozinha, na pequena mesa redonda tomando chá verde, que meu avô tinha feito. Com todos meus esforços bebi três xícaras de chá, mal eu tomava metade do conteúdo da xícara e meu avô a enchia novamente. Na quarta tentativa de me forçar a beber mais chá meu pai interrompeu.

- Já chega, pai - disse, tocando suavemente em seu braço.  - Vamos, querida. Vou mostrar seu quarto - foi andando em direção ao corredor e eu o acompanhei.

Haviam quatro portas no corredor, só agora eu havia reparado. Meu pai me mostrou o banheiro e a porta em frente ao banheiro era onde seria meu quarto. Eu estava tão ansiosa, não para ver o quarto, mas sim para deitar e dormir até perder noção do tempo. Ao abrir a porta o que eu encontrei foi uma pequena cama de solteiro de ferro encostada na parede, uma escrivania numa parede onde ficava a janela com cortinas brancas e um guarda roupas de madeira rústica de quatro portas. O quarto fedia a coisa velha. Caminhei até a cama, que estava amassadamente arrumada com lençois brancos e duas almofadas. Na extremidade da cama havia uma manta xadrez. Olhei para a janela, através das cortinas pude ver os últimos raios de luz daquele dia, a luminosidade atravessando as frestas e iluminando o carpete verde musgo. Toquei a parede para sentir a textura do papel de parede floral, de fundo branco, e senti uma leve umidade. Cola, logo pensei. Aquele papel de parede havia sido colocado há pouco tempo, e foi colocado por minha causa.

Tirei meu moletom e sentei na beira da cama, que fez um barulho horrível. Comecei a achar que dormir não seria mais uma boa ideia, sabendo que qualquer movimento faria a cama ranger e da minha aversão por barulhos enquanto durmo.

Olhei para escrivania e resolvi colocar alguns pertences para enfeitá-la. Comecei tirando meu notebook da mochila e o coloquei sobre a escrivania, aberto. Em seguida abri as malas à procura de mais alguma coisa, sem contar as jóias eu colocaria em uma das duas pequenas gavetas da escrivania. Achei uma foto de Ellie, minha gata gorda, de pêlos brancos. Não quis trazê-la, achei melhor deixá-la por lá, imaginando suas dificuldades de adaptação com o novo lar, sem contar que eu de agora em diante eu não poderia mais dedicar muito tempo a ela. Talvez eu tenha que arrumar um emprego, ajudar meu pai, ou até mesmo assumir o papel de 'dona de casa'. Portanto Ellie não teria mais as regalias da nossa casa branca.

Aos poucos o cansaço foi tomando conta de mim e eu já nem me importava com o barulho da cama toda vez que eu me remexia. O quarto aos poucos escureceu, tomando conta a escuridão da noite, apenas pela fresta da porta eu via algum ponto de luz. Tentei dormir, mas não consegui. Levantei da cama e acendi a luz antes que eu visse algum vulto ou me assustasse com algum baraulho. Sou daquele tipo de pessoa que não lidar bem com o escuro estando acordada. Estando dormindo, para mim, está tudo bem.

Terminei de organizar minhas coisas no quarto, coloquei todas as roupas no guarda roupa e organizei alguns itens na escrivania. Abri o laptop e fiquei por um tempo pensando se mandava ou não um email para Caroline. Não é nada pessoal, mas acho que será menos doloroso para ela, se eu continuar tentando manter contato vai ficar aquele vazio tanto na minha vida quanto na dela. Mas Caroline é uma pessoa de muitos amigos, logo esse vazio será preenchido, e no fim, só restará o meu vazio.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

De: sophie.zahr@email.com

Para: carolinearaújo@email.com

Oi. Já cheguei no "Paraíso" rsrs, foi uma tentativa de fazer uma piada com o nome da cidade. Enfim, está tudo bem. Não sei o que vai ser da minha vida daqui para frente. Descobri que tenho um avô, que te faz tomar três xícaras de chá, ou mais, em minutos. E o meu pai... a parte pior vem agora. Ele é pescador. Sério. Eu enfrentei horas de viagem num carro fedendo a peixe podre e a casa é perto da praia - a única parte boa disso tudo - e é metade casa, metade armazém para peixe. Respira. Eu não sei o que estou fazendo aqui, não sei como estou conseguindo manter a calma, não sei como eu ainda não dei um surto com tantas novas informações. Não sei se conseguirei sobreviver a isso, mas quero que saiba que eu vou tentar, vou fazer de tudo para gostar daqui e não ter que voltar nunca mais. Desculpa por minha palavras um tanto àsperas.

S.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Email enviado. Alívio. Suspiro. Arrependimento. Não deveria ter enviado esse email, Caroline vai pensar que eu já estou surtando.

Só tinha cabeça para uma coisa: um banho e dormir. Após tomar banho no único banheiro da casa, coloquei roupas de dormir e deitei-me. Fiquei algum tempo pensando, tentando assimilar tudo até dar conta de que tudo isso era real, e adormeci.

SophieWhere stories live. Discover now