Prólogo

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SEXTA-FEIRA
22H43


A saída apressada do supermercado tinha explicação: seu marido e sua irmã estavam ficando loucos com as crianças em casa. Precisava chegar logo, antes que as crianças acabassem com o pai e a tia.

A pressa era tanta que, ao tentar retirar a chave do carro de dentro da bolsa, tudo que estava enrolado saíra junto e caíra no chão. O celular fora fácil de alcançar e pegar, já a chave havia escorregado para debaixo do carro, o que levou a mulher a ajoelhar e passar a mão no asfalto sujo. O estacionamento com pouca luz não ajudava a jovem em nada.

Achar a chave e levantar fora uma tarefa demorada, e ao fazê-lo, a jovem deu de cara com a janela do carro. A pouca luminosidade do local permitira à ela apenas avistar um rosto atrás de si. O susto que levara fora enorme, mas não houve tempo para gritar ou pedir socorro. Sentiu em sua face um pano gelado, o cheiro era insuportável, e em menos de um minuto já havia perdido a consciência.



...



Acordou com uma forte luz em seu rosto. Demorou alguns bons segundos para se adaptar àquilo, e quando conseguiu, não reconheceu o lugar. Forçou sua cabeça a virar um pouco para a esquerda, já que seu corpo estava levemente virado para o mesmo lado e não completamente reto. Apesar da luz forte em seu rosto, o resto do local tinha uma luminosidade precária. Lâmpadas amarelas eram espalhadas por ali, penduradas por fios expostos. Havia uma grande pia de alumínio um pouco à frente e uma lâmina brilhava em cima da mesma, com a pouca luz que recebia.

Sua cabeça doía, não sabia o que estava acontecendo e mal sabia aonde estava. O barulho que veio ao fundo, parecia de algum metal batendo em outro metal e por fim caindo ao chão. Forçou sua cabeça para o outro lado e sentiu seu pescoço reclamar a cada movimento, mesmo que leve. Passou pela luz acima de sua cabeça de olhos fechados, e abriu-os segundos depois, quando conseguiu encarar o outro lado. Foi quando notou alguém, sentado em um banquinho de madeira. Em sua frente, havia uma bandeja prata, toda enferrujada. Talvez fosse alumínio, mas não tinha certeza. Algo que parecia um machado estava sendo recolhido do chão. Talvez fora aquilo que havia caído.

O desespero e ansiedade começava a bater na porta. Tentou puxar os pulsos e se levantar, mas a dor que acompanhou aquele movimento não cabia nela. Segurou o grito, só para não atrair a atenção e então levantou um pouco a cabeça, encarando o próprio corpo.

Foi quando notou.

Estava em uma maca prata, tão enferrujada quando a bandeja que vira minutos antes. Seus braços estavam presos por fivelas de couro gasto, cada uma de um lado da cama. Seus pés também, mas esses estavam juntos. O peito tinha uma fivela parecida, na verdade, o couro era um pouco mais novo e menos desgastado. Abaixo de seus seios, a fivela estava tão apertada, que aquele movimento para tentar ver o que estava acontecendo, a sufocava.

Desistiu e deitou a cabeça novamente; a luz sendo insuportável em sua face. E então ouviu os passos. A pessoa estava se aproximando. Assobiava uma cantiga que atormentava os ouvidos da mulher ali deitada.

A aproximação fora lenta e os passos podiam ser muito bem ouvidos. Foi só então que a moça notou que o chão era de madeira: pelas passadas pesadas e o som da bota do homem no piso.

Fechou os olhos até quase darem um nó, e o assobio foi interrompido pela risada gutural que saíra da garganta do homem.

- Está com medo, querida? Uma pecadora não deveria sentir medo.

Não entendia o que ele estava falando, achava-o louco. Evitou o contato com o homem, tanto ao não falar nada quanto ao nem olhá-lo nos olhos. Mas não durou muito. Sentiu as mãos dele, duas vezes maiores que as suas, pegar em seus dedos. Um por um, o homem sentiu-os. E um por um, o arrepio no corpo da mulher só aumentava.

Foi então que uma dor invadiu-a de maneira brusca. O homem, em sua loucura mais nítida, pegara o machado e cortara seu dedo menor fora. O grito da mulher que seguiu o ato do homem, colocou um sorriso no rosto do mesmo. Ele segurava o dedo como um troféu, sem se importar com o sangue que jorrava do dedo que restara da mulher. As lágrimas invadiram os olhos dela, escorrendo pelo lado, indo parar na maca gélida.

O homem a abandonara ali, saindo daquele lugar que parecia um galpão abandonado, ou talvez até mesmo um matadouro antigo. Seu dedo sangrava cada vez mais, o que previsivelmente acabou encharcando a roupa dela, e até mesmo acabara pingando no chão.

Não muito depois, o homem voltara. Largou o machado na pia à esquerda da mulher, trocando aquela lâmina pela faca. Aproximou-se lentamente da maca e da vítima, que de dor quase estava perdendo a consciência. Voltando a assobiar, cortou as roupas da jovem e arrancou-lhes de maneira bruta e rápida.

Já sem forças para falar nada, a mulher apenas observou todos os passos e todas as ações do homem. E quando se viu pronta para perder a consciência, ali, nua, ele fez algo que ela não sabia se estava surpresa ou não.

A faca penetrou seu peito, um pouco acima do seio esquerdo, e o grito rouco que saiu de sua garganta foi incontrolável. Antes que pudesse pensar em respirar, a faca - que penetrou seu pulmão em cheio - girou com brutalidade. O ar todo fugira de si e a consciência foi embora junto com ele.

O corpo havia perdido toda a vida que tinha poucos minutos atrás.

Na mente do assassino, duas palavras corriam soltas, ambas atraindo um sorriso sombrio ao rosto do homem: purificação completa.

Instituto Duran - Flores da Morte (hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora