01. Eraser

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Terceira pessoa.

Sobre a bancada de madeira, uma das mãos pálidas está cerrada em punho. A outra abriga um copo repleto de uísque e, entre os dedos indicador e médio, um cigarro arde a aguardá-lo. Em frente a ele, há um homem refletido no espelho. Cabelos ruivos, associados a olhos azuis e pele alva, parece-se com o rapaz adiante, mas ele não se reconhece mais.

Ergue a bebida para os lábios e dá-lhe mais um gole. O gosto amargo se tornou um hábito, assim como o calor que o líquido a escorrer goela abaixo é seu conforto. Quanto mais bêbado se sente, menos os problemas o incomodam. Seus pés deixam o chão por alguns instantes e, neste mísero segundo, aparenta-se pleno. A sensação prazerosa é mentirosa. Ed mente para si mesmo. Ele está vazio.

A fim de preencher o vácuo sob o peito, guia, sem jeito, o cigarro à boca e traga o máximo de fumaça possível para os pulmões. Desde modo, força a impressão de preenchido. No entanto, assim que o fumo escapa as narinas, a escassez invade o corpo outra vez. Um ciclo vicioso. Seus orbes azulados encaram os do homem refletido. Ele tenta se encontrar, mas nada ali lhe é familiar.

No canto do espelho contornado por lâmpadas, há os destroços do instrumento pelo qual sempre teve carinho: seu violão. Num surto súbito de fúria, quebrou-o. A música sempre foi sua paixão, agora não consegue enxergar nem sequer apreço à melodia. Mercadoria. Ed vê seu sonho vendido, sua paixão invalidada e sua arte destruída. O instrumento dilacerado é apenas a comprovação do que ele já sabia.

O desgosto se mistura à corrente sanguínea e corre por toda a extensão de seu corpo. De fato, os olhos não o enganam: aquele, perante o ruivo, não é ele. As roupas de grife não o representam, a maquiagem, nem as músicas. A censura o destruiu. Ele se perdeu para o sistema.

— Que porra de música é essa, Sheeran? — o produtor atirou o papel com a música a qual levara horas para escrever na mesa.

— O que eu estava sentindo à tarde. — tentou inutilmente se defender. — Estava triste e quando vi estava com o material completamente pronto.

— Todo esse romantismo e as palavras doces são desnecessários! As pessoas gostam de letras fáceis, que peguem rápido na cabeça. É isso que vende! Livre-se dessa porcaria.
Ed balança a cabeça, afastando a lembrança de si e permite-se chorar.

Não se deixou ser patrocinado só por conta da fama e dinheiro, o mais importante sempre foi o desejo de ter sua música reconhecida. Lógico que o mundo cercado pelos holofotes o atraiu, ele que, de início, não era acostumado a chamar atenção. Porém, o vício por tudo que o mundo das celebridades tinha a oferecer o cegou. Até chegar a um ponto em que as letras não eram escritas pelo coração, e sim pela mente trabalhando naquilo que os empresários gostariam de receber. Quando finalmente escreveu algo que o agradou, foi humilhado.

Estaria disposto a pagar um preço tão alto em troca de prestígio?

Um som desconhecido passa a atingir seus ouvidos. Inicialmente, pensa se tratar de alucinações provocadas pelo forte teor alcoólico, mas não demora muito para ele perceber que se trata de gritos, gritos mais do que reais.

Lembra-se, então, de onde está e o porquê de estar ali.

O episódio com o produtor se passou há poucas horas atrás. Havia mostrado uma música nova a qual apresentaria no próximo show. 

Este show.

Os gritos se intensificam, fazendo-o perceber que se trata de seu nome. Gritam por ele. Esperam por ele.

Aquelas pessoas pagaram preços impossíveis apenas para ouvi-lo, não é justo desperdiçar com lamentações o tempo que será deles, de seus fãs. Decidido a esquecer os sentimentos desgostosos, ele apaga o cigarro, dispensa o uísque, e seca o que lhe resta das lágrimas que antes caiam.

Nenhum membro da equipe veio importuná-lo na porta do camarim durante o tempo que passou bebendo, não ousariam. Contudo, assim que é visto pelo pessoal nervoso com a cobrança da platéia, as perguntas o bombardeiam.

— O que estava fazendo lá dentro?

— Tem noção de que todo o estádio da Wembley já está irritado com a demora?

— Esse cheiro é de bebida?

Trata de murmurar um rápido xingamento, puxar uma guitarra outrora segurada por um organizador, focando em seguir o barulho da platéia necessitada, chamando-o sem pausa.
Ao finalmente subir no palco e ficar de frente para as milhares de pessoas que o aguardavam, o ruivo percebe que é capaz de aguentar qualquer coisa para mostrar suas músicas verdadeiras àquelas pessoas. Gente de diferentes nacionalidades que o ama e o admira mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, sem saber de seus inúmeros defeitos.

Embalado pelo som da própria voz sendo reproduzida de modo que muitos possam escutá-la, a platéia o leva a uma frenesi espetacular. Deste modo, envolvido pela energia do amor transmitido pelos fãs, Ed apaga sua mágoa e deixa os momentos ruins se dissolverem no ar.


Por: Jeleninhaz

Ficstape - Divide (Ed Sheeran)Where stories live. Discover now