CAPÍTULO SEIS - Festa Estranha, Gente Esquisita

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Juliana dispensa a festa sem pensar duas vezes, quando ligo, com a desculpa de que está muito melhor acompanhada com algum personagem fictício de livro – o que me faz me perguntar por quê eu arranjo amigas tão idiotas, que se apaixonam por caras inexistentes o tempo todo e perdem oportunidades de viver para sentir emoções por outros olhos. Mas Juliana é assim. Do mesmo modo que eu sou o tipo de pessoa que não desisto de uma festa só porque não tenho companhia.

Uma pena que a primeira festa não merecia minha presença. A cerveja estava quente, o som estava baixo, as pessoas eram pra lá de desanimadas e não tinha nem mesmo um paieiro, que dirá maconha. Sério. Se for pra fazer uma festa careta é melhor nem fazer. Poupa o trabalho da gente sair de casa, não é?

Um garoto está reclamando no balcão sobre a qualidade da cerveja – e como qualquer pessoa que reclame de cerveja quente é uma boa pessoa, decido que ele é uma boa pessoa para fazer amizade. Eu entoo seu questionamento sobre as músicas ruins e as pessoas carentes e, em poucos minutos, decidimos procurar outra festa – muito mais legal.

Leandro – o garoto questionador – chama os amigos antes de sairmos para o outro lado da cidade, logo depois de ouvirmos alguém falar sobre uma festa excelente, com música alta, bebida gelada e maconha à vontade. E, claro, um lugar que tem maconha à vontade é sempre um bom lugar para estar.

Foi preciso meia hora de carro com um cara semi-bêbado para chegar na festa. Lugar estranho, com gente esquisita. Mas o som era bom, a cerveja estava geladíssima e eu só queria me divertir, ficar muito bêbada e ser feliz, sem pensar em mais nada.

Lá pelo meio da noite, alguém descolou a tão aguardada maconha. O beck acabou logo nas nossas mãos, então fomos atrás de outra coisa. Me perdi da turma no meio da pista. Merda. Agora eu teria que fazer mais uma turma de amigos e dar a sorte de encontrar pessoas mais descoladas ainda do que aqueles.

Tropecei nos meus sapatos de salto alto e quase caí em cima de um cara. Ele derrubou bebida na menina que conversava com ele e ela deu um grito – para mim. Revirei os olhos e mostrei o dedo do meio. Ela falou mais alto e logo a rodinha já tinha se formado a nossa volta. Fala sério. Se a pessoa tem nojo de bebida por que vem em festa?

Girei o corpo para me mandar daquela confusão, caçar minha turma e arranjar mais bebida e maconha, mas a mulher parecia furiosa só porque eu manchei seu vestido por acidente. Ela me agarrou pelos cabelos e então estávamos no chão. Eu rolei por cima. Ela rolou de novo. Um monte de gente gritou. Eu me soltei dela e tentei levantar, ela me puxou de volta e eu caí de quatro no chão.

Uma queda e toda a sua dignidade vai embora.

Não que eu tivesse lguma. Mas era muito triste perder o resto que me sobrava assim.

Ela girou, ficando por cima de mim de novo. Eu estava prestes a enfiar a unha na sua cara quando alguém a tirou de cima de mim. Finalmente. O cara em quem eu tinha tropeçado a arrastou para longe e eu gritei que ela era uma covarde. Mas estava bem feliz de ter me livrado da briga, porque a única coisa que queria mesmo era beber.

Ainda bem que era uma festa estranha com gente esquisita.

Ninguém me ajudou a levantar, mas eu também não dei atenção. Ouvi uns idiotas me chamarem de gostosa e mostrei o dedo para cada um deles. Irritada, pedi duas doses de uma vez de vodca e virei de uma vez. A partir daí, tudo ficou bastante turvo.

Havia cabelos vermelhos perguntando se eu estava bem e eu, com a língua enrolada, perguntando se havia fogo em sua cabeça. O cara não achou graça, o que tornou tudo mais engraçado. Eu gargalhei mais alto e pedi uma outra dose e ele segurou meu braço, tentando me fazer parar.

ALÔ, eu gritei, eu te conheço pra você vir me pôr a mão?

Então, algum outro cara me segurou e perguntou se eu estava com algum problema. O babaca com a cabeça em fogo, eu enrolei a língua. O Cabeça-de-Fogo sumiu. Meu salvador me arrastou para o canto em busca de sua recompensa.

—Você tem um beck? – perguntei pra ele, antes de ser jogada contra a parede.

Ele me prometeu mais do que isso.

Então, me apresentou a uns caras, que me estenderam um pó branco. E a festa ficou realmente boa.

***

Acordei no chão do banheiro, sem bolsa e sem calcinha. Gemi tentando me levantar e escorei na parede, respirando. A combinação de álcool e cocaína não me deixava suar frio, como deveria, mas os efeitos estimulantes estavam passando e eu sabia que agora vinha a pior parte. E eu nem sabia onde estava.

Me arrastei para fora do banheiro e escorei na parede, suspirando. Ainda tinha festa, o que significava que não estava tão tarde assim. Procurei por algum dos rostos conhecidos das últimas horas, mas não havia ninguém. Merda.

—Você sabe onde eu estou? – perguntei para ninguém em específico e ninguém achou que devia me responder.

Grunhi e coloquei a mão na testa. Não tinha força para sair da festa, mesmo sabendo que deveria porque os sintomas pós-droga ficariam cada vez piores e era melhor estar num lugar seguro. Mas meu celular estava em casa. E eu não tinha ideia do que havia acontecido comigo. Na melhor das hipóteses, havia apenas sido roubada. Não queria nem pensar nas outras hipóteses.

Merda. Merda. Merda.

Puxei o ar com força, fechando os olhos, sentindo o coração se acelerar cada vez mais. Minha boca estava seca e tudo rodava, colorido, fantasmagórico, na minha mente. Não tinha coragem de abrir o olho. Alguém esbarrou em mim. Mas eu não tinha equilíbrio e tropecei nos meus pés. Aquilo me pareceu estranhamente familiar. Não conseguia ver o chão, mas sabia que estava me aproximando dele. Ia ser uma queda e tanto, pensei.

Mas um braço forte me segurou pela cintura, antes disso.

—Você – falei, abrindo os olhos para encarar os olhos verdes inquisidor que me olhava e tentava me colocar em pé outra vez – e parece familiar.

—Você me parece familiar também – ele respondeu, a boca entortada numa careta horrível

—Você pode me ajudar?

—Agora?

Eu me vi perder o equilíbrio de novo. Droga. De novo não. Respirei fundo tentando me acalmar. Então, a vista escureceu e eu me apoiei na parede mais próxima. Ou tentei. Ela não estava tão próxima assim.

O braço me segurou de novo antes que eu chegasse ao chão.

—Você não está nada bem, não é?

Antes que articulasse as palavras para responder, as coisas foram se desmanchando a minha frente como uma pintura surrealista viva. O homem de cabelo vermelho. As pessoas ao meu redor. A parede perto de mim. Os braços que me seguravam para não cair, meu cérebro e eu mesma.

Então, não consegui me manter em pé.

E não havia mais nada para me segurar.

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⏰ Last updated: May 13, 2018 ⏰

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Tudo Aquilo Que Eu Não Sou (REPOSTANDO)Where stories live. Discover now