Um presente (in)esperado

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As semanas voavam, ainda mais quando era época de provas na escola. Eu passava o dia inteiro lá, estudando na biblioteca com uma colega ou as vezes sozinha. Em casa eu me distraía muito com a televisão então acostumei a estudar na escola, pelo menos nas épocas das trimestrais, aquelas provas sempre me deixavam ansiosa, eu não gostava de tirar notas baixas e ainda bem que eu nunca tirava, minha pior nota era em matemática e eu sempre alcanço a média. Eu pisquei meus olhos e já era fim de semana, outra piscadela e o fim de semana terminou. Fiquei assustada com a velocidade que passava.

***


Eu percebia o quanto a chácara era grande quando minha mãe gritava da porta da cozinha pedindo para que eu tomasse banho, pois já estava perto da hora de voltar para casa. Depois de brincar o dia inteiro correndo, andando de bicicleta ou nadando na piscina, senti o cansaço no corpo ao sentar no sofá.

Viajar de carro sempre foi ruim, eu ainda estava encostada na poltrona da sala assistindo o final de um filme qualquer e já me sentia mal antecipadamente. Minha sorte era que a viagem seria de noite e, com certeza, eu voltaria dormindo, isso me deixava mais feliz porque não sentiria enjoo. Minha mãe me dava dramin todos os fins de semana. Era rotina ir para a chácara na sexta a noite e voltar no domingo. Nem sempre vovó ia junto, para minha alegria ela estava conosco nesse fim de semana, mas de maneira geral, todas as quintas eu ficava ansiosa para saber se teria ou não a companhia dela. Nós dormíamos juntas, mamãe colocou duas camas no meu quarto para uma fazer companhia para a outra.

Eu não sou filha única, mas me sinto como se fosse, pois sou a caçula da casa. Tenho duas irmãs, uma delas mora na Alemanha. A outra já é casada e nos visita de vez em quando. Infelizmente, eu não tenho irmãos, mas bem que gostaria. Sempre achei que me relacionava melhor com garotos e se eu tivesse um, talvez não me sentisse tão sozinha. As mulheres quando crescem só parecem se interessar por maquiagem, roupas, sair, serem independentes e curtir a vida. Não sei bem como se curte, mas parece que a Carol está fazendo bem isso na Alemanha. Tenho onze anos e tudo o que penso, além de estudar é jogar handebol, brincar com meus jogos e assistir alguns desenhos. Uma vida comum para uma criança.

Papai colocava as caixas, malas e o cooler no porta-malas do carro. Vovó estava assistindo televisão comigo e minha mãe verifica as trancas das portas e janelas. Isso também era rotina, para evitar que alguém invadisse a chácara durante a semana. Quando estava tudo certo, mamãe e vovó entraram no carro, meu pai dirigia para fora da chácara e eu o seguia caminhando até o portão para trancá-lo. Depois que papai se certificava que tudo estava devidamente trancado, nós entrávamos no carro e partíamos ouvindo Bee Gees.

- Senhoras passageiras, nosso avião está pronto para decolar - papai anunciava brincando.

Eu sempre olhava para o painel do carro SUV dele e lembrava de um avião fazendo a curva para entrar na pista de decolagem. Antes de vir para a chácara, nós viajávamos muito de avião no final do ano, então foi fácil associar e acho que por causa do meu comentário em uma das viagens, ele começou a brincar assim todos os domingos quando voltávamos.

Descemos a rua e nossa chácara foi ficando para trás, eu gostava de lá, mas gostava mais ainda de voltar. Tinha muitos animes para assistir eu não conseguia vê-los na chácara, porque não tínhamos TV a cabo. O sol estava se pondo, pintando o céu de laranja, vermelho e lilás. O que eu mais gostava na volta era vê-lo desaparecendo de ângulos diferentes. Passamos pela cidade pequena e iluminada e eu pensava no material que eu teria que arrumar para a aula no dia seguinte. Vovó já dormia e assim que alcançamos a estrada eu fiz companhia para ela.

"As cartas escorregavam da minha mão, eu corri esforçando-me para recolher todas elas antes que eu as perdesse para sempre. O vento soprou forte, espalhando todas para mais longe de mim. A calçada ficou cheia de cartas lilás, com o símbolo mágico virado para cima. Um rapaz passa do meu lado e sorrindo, pega as cartas do chão. Um alívio tomou conta de mim, elas estavam seguras e recuperadas. Ele riu maliciosamente e voou com metade das minhas cartas na mão, eu gritei, a cidade estaria em perigo agora."

- Manu?- minha mãe me chamava tocando meu joelho - acorda filha, vamos parar para comer alguma coisa.

Nós estávamos dentro do carro, eu adormeci tão profundamente que sonhei. No meu sonho, eu era uma maga que mantinha todos seguros capturando ameaças invisíveis aos olhos de não magos, mas que poderiam destruir o país inteiro. Eu gostava de sonhar que era algum personagem de desenho, onde pudesse fazer coisas muitos maiores e melhores da vida, onde eu era importante e útil.

Sai do carro ainda ensonada. Que preguiça que me dava após acordar. Paramos em um shopping que ficava sobre a estrada, tinha e extensão de uma passarela. O bom de ir para lá é que eu poderia comer um lanche bem gosto com batata frita, daqueles que eu só comia de vez em quando.

Tinha uma feira de filhotes ali, nós passamos olhando-os de longe e fomos para o restaurante. Eu pedi o lanche e mamãe comeu pizza com vovó e papai. Depois de dar uma voltinha no pequeno shopping, estávamos voltando para o carro quando meu pai comentou sobre visitar a feira de animais. Fomos rapidamente até lá e vimos um montão de filhotes, de todos os tamanhos e cores. Me afastei dos meus pais, distraída com tantos cachorrinhos bonitinhos. Quando os procurei de volta, vi meu pai segurando um filhote pretinho e caramelo. O focinho e as patinhas eram claras, lembravam um dourado escuro ou cor caramelo, não sei dizer. O corpinho era todo preto na parte de cima.

O filhote vazia um movimento no ar engraçado e eu ri. As patinhas de mexiam como se estivesse nadando. Ele era muito engraçadinho. Meu pai me entregou o filhote e eu olhei nos olhos dele e vi um brilho sem igual. Meu coração se aqueceu ao encarar aqueles olhinhos pretos tão vibrantes e alegres. Acariciei o focinho, os olhinhos dele se fecharam e abriram novamente, como se dissesse que gostava daquilo.

Eu queria levá-lo, mas sabia que minha mãe não era muito fã de ter animais em casa, ela sempre os achou lindos e fofos, mas na casa de outras pessoas, não na dela. Limpar a casa com um animalzinho seria mais trabalhoso e ela não gostaria de deixá-lo no quintal.

Quando fui devolver o filhote para o moço da feira, ele agarrou minha blusa com as unhas e não soltava. O moço puxou de levinho o filhote, mas ele continuava agarrado, então foi preciso soltar as unhas dele na minha blusa. Eu achei tão fofo, ele queria ficar comigo e eu queria ficar com ele.

Virei as costas e fui andando em direção à minha mãe. Me sentia triste por saber que não poderia levar o filhotinho comigo, mas algo no meu coração queria que ele fosse. Então meu pai me chamou, ele vinha com uma caixa na mão e quando olhei dentro, eu o vi abanando o rabinho para mim. Fiquei sem palavras, fitei meu pai sem reação.

- Pegue ele de volta, Manu. Vamos levá-lo.

Eu não sei porque chorei, mas as lágrimas escorreram sem perceber direito, elas acompanharam o sorriso sincero que direcionei ao meu pai antes de abraçá-lo.

BillyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora