Manhã seguinte

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  Meus olhos abriram devagar, a visão embaçada deixava minha cabeça zonza. Eu não era muito fã de acordar cedo, a temperatura quente e agradável que ficava embaixo das cobertas dificultavam para despertar. Fechei os olhos me rendendo a sonolência, eu queria ficar mais alguns minutinhos, na verdade, queria que minha mãe me chamasse quando estivesse realmente na hora de levantar.
Não sei por quanto tempo eu cochilei. Fui despertada com um som diferente, parecia que algo se espalhava rapidamente pelo chão, como se fossem pequenas bolinhas rolando pelo carpete de madeira. Me forcei a abrir os olhos outra vez, mas o peso das pálpebras me impediam. O som ficou mais rápido e mais alto. Senti algo gelado em mexer em minha mão. Abri os meus olhos e me deparei com aqueles dois olhinhos de bolinha de gude me encarando no chão. Ele abanava o rabinho e ensaiava latir, mas o som ainda imaturo não saia direito. Peguei ele no colo, mesmo sabendo que minha mãe não queria que ele subisse na cama e o abracei.
— Bom dia pequeninho. Não acredito que você está mesmo aqui, pensei que estivesse sonhando — abracei tão forte que ele resmungou baixinho.

A viagem da noite anterior ainda estava na minha cabeça. Depois que meu pai me deu a caixinha dele, segurei no colo a viagem inteira. Ele dormiu enroladinho dentro da caixa o caminho inteiro e eu ficava verificando se estava tudo bem. Minha avó voltou a dormir depois da parada, mas eu não consegui.

— Como ele vai se chamar? — perguntei querendo ajuda
— Você quem tem que escolher o nome, ele é seu — minha mãe respondeu
— Billy! Será Billy.

Ri baixo ao lembrar em como escolhi o nome. Não foi muito criativo, no meu livro de inglês tem alguns personagens e o principal se chama Billy. Achei que seria um bom nome para o filhote.
Coloquei ele no chão e fui para a cozinha. Minha mãe ficou surpresa em ver que eu levantei sozinha.
— Acordou cedo — comentou
— Um furacão passou pelo meu quarto — resmunguei ainda com sono, olhando para o Billy, que estava sentado embaixo da mesa.
— Bom, se ele vai te acordar na hora certa, já gostei dele.

Me troquei rápido com medo que meu pai me esquecesse em casa, ele estava indo para o trabalho mais cedo e minha mãe me apressou dizendo que eu ficaria no meio do caminho se não andasse mais rápido. Peguei o rolinho de cartolina que eu precisava levar para a escola e enganchei na alça da mochila. Sai puxando a mala de rodinha com tanta pressa que quase levei a mobília da mamãe junto. Dei um beijo nela e fui até a porta, meu pai já estava no carro.
Olhei para baixo e os dois olhinhos negros me encaravam. Billy pulou, apoiando as patinhas dianteiras na mochila. Ele tentava subir em cima dela. O rabinho, sempre balançando, parecia um espanador.
— Hey pequenininho, eu não posso te levar comigo, mas prometo que volto logo.
Coloquei ele no chão e corri até o carro. Mamãe acenava da porta e Billy ficou sentado entre as pernas dela, olhando o carro partir. Pela primeira vez na minha pequena vida, eu não queria ir para a escola. Pensei que deveria ter inventado uma doença, usar o velho truque do secador na testa para dizer que estava com febre ou algo assim, eu só queria ficar em casa brincando com o meu novo bichinho.

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A professora não parava de falar, a voz ela foi ficando cada vez mais distante, eu não sabia se ela explicava uma matéria ou a atividade de debate que comentou que faríamos. Meus pensamentos viajavam para longe, me levando de volta para a noite anterior e eu só pensava naquele filhotinho que me esperava em casa. Meu coração acelerou e minhas mãos tremiam de maneira imperceptível aos olhos dos outros, mas sentidas por mim.
Nossas cadeiras estavam organizadas em círculos e a atividade já tinha começado. Fiquei nervosa quando percebi que estava distraída por tempo demais e que não sabia o que era para fazer. Eu não queria fazer atividade, só queria voltar para casa.
Perguntei para as meninas o que estavam fazendo e elas apontaram para os dois meninos que estavam no centro do círculo. Eles eram os advogados, uma menina era a juíza e os outros grupos eram os fazendeiros e as empresas de construção. Cada grupo precisava defender o ponto de vista e um do grupo tinha que ser o escrivão — coisas das professoras de Português e de ciências que sempre faziam atividades integradas.
Peguei logo uma caneta e uma folha, me oferecendo para escrever. Eu preferia escutar e anotar o que era dito do que dar opinião sobre algo. Ficava com dor de barriga só de pensar em apresentações. Acho que passamos duas aulas naquela atividade, da aula de ciências para a de português. O sinal do intervalo tocou, as crianças da minha sala sairam correndo para o pátio, alguém sempre acabava machucado. Na maioria das vezes, sou uma das últimas a sair. Pego minha lancheira devagar, minha revistinha em quadrinhos e espero todos eles se matarem na frente. Na aula de educação física, precisamos formar quatro equipes. Senti dor de barriga ao ouvir sobre as equipes, eu sempre ficava sobrando porque odiava procurar pessoas para fazer grupos. Olhei ao redor, alguns grupos já estavam formados. Fiquei encarando as pessoas e esperando que me chamassem.
Minhas duas amigas se juntaram e preencheram a vaga do grupo delas, então o professor me colocou no grupo de uma menina que eu não gostava muito. Passamos a aula jogando queimada, odeio essa brincadeira. Deixei ser queimada logo no início para ficar no cemitério e não sair com vários hematomas da aula. A bola passou por mim várias vezes, não fiz muita questão de pegar, eu só estava esperando o sinal tocar.
Finalmente era hora de ir embora, não deu tempo de terminar o segundo jogo e saber quem ia ganhar. Não que eu estivesse interessada naquilo, passei os minutos na arquibancada pensando em pegar minhas coisas rápido e esperar a minha mãe. Subimos para a sala e eu joguei os cadernos e o estojo dentro da mochila, normalmente eu arrumo direitinho e prendo tudo com o fecho para que o material não espalhe dentro dela, mas não neste momento.
Desci as escadas correndo, sentei perto do portão de saída e peguei uma folha para desenhar. A fila de carros era sempre grande ao meio-dia, mamãe demorava um pouco para chegar. As outras crianças da escola corriam pelo pátio ou jogavam cartas enquanto esperavam os pais. Estavam sempre em grupos. Eu ficava sozinha, minhas duas amigas às vezes conversavam com outras meninas que eu não conhecia muito bem e não conseguia conversar com elas, nunca sabia o que dizer.
Ouvi o moço do portão chamar meu nome pelo microfone, dobrei a folha e sai com o lápis na mão mesmo. Fiquei esperando o carro chegar, ao lado do tio. Vi mamãe se aproximar dirigindo a perua verde, a janela do banco de trás estava um pouco aberta, ela nunca deixava aberta. O moço da escola abriu a porta para mim, eu gritei de alegria.
— Billy! Você veio também.
Ele quase pulou para fora do carro, mexeu as orelhinhas e o rabinho balançava como sempre. Estava tão agitado que as patinhas se movimentavam repetidamente, como se marchassem sem sair do lugar. Segurei ele para não fugir e o moço da escola colocou minha mochila no carro. Sentei no banco de trás, dei um beijo em mamãe e segurei meu pequeno amiguinho, que me recebeu com muitas lambidas, depois da pequena festa que ele fez. Fechei a porta do carro e deixei que ficasse livre. Assim que o soltei, ele começou a correr de um lado para o outro, olhando as janelas do carro, acho que ele descobriu algo novo através daquelas janelas.
O caminho para casa, tão comum para mim, era um mar desconhecido para ele, os olhinhos não desgrudavam da rua e eu passei o caminho todo observando a alegria que ele transbordava ao observar o vasto mundo do lado de fora. Queria tanto saber, como era ver as coisas pelos olhos de um cãozinho.  

Comentário da autora:

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Comentário da autora:

Olá pessoal, primeira vez que eu venho falar diretamente com vocês =)  Eu não costumo deixar recados nos capítulos, mas aparecerei por aqui algumas vezes. A manu é muito pensativa para uma criança de onze anos, não acham? Apesar da narração infantil e da pouca idade, a cabecinha dela não para nunca. Vocês conhecerão vários lados da Manuela, espero que a cabecinha confusa e curiosa dela não nos deixe malucos também rsrs

Obrigada por acompanhar ;D 


BillyWhere stories live. Discover now