Pesadelo Zero: Este Lugar Não Existe.

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O homem de branco não me deu nenhuma ordem, apenas olhou para mim com o rabo do olho, como se não houvesse nada mais a fazer além de sair do carro. Pelo vidro embaçado, eu avistava a estranha estrutura da casa.

Não havia asfalto, apenas terra coberta com uma grama rala e escassa crescendo em tufos. Atrás e nas bordas do penhasco haviam diversas árvores finas que cresciam enfileiradas como eucaliptos. Uma trilha bem desgastada levava a casa, e a noite só consegui observá-la quando forcei a visão.

No fim da trilha uma cerca baixa e branca cingia a casa, com um portão entreaberto cheio de marcas de arranhões, provavelmente de animais dos bosques que atravessamos para chegar. Enquanto andava pela trilha, guiado por um instinto que me puxava àquele lugar, percebi que ela continuava além do portão. Uma caixa de correio aberta estava ao lado da portinhola da cerca, mas sem cartas no seu interior.

Parei ao chegar na frente da casa e levantei a cabeça para contemplar sua altura. O prédio era confuso e não sabia ao certo quantos andares a residência tinha. Não era uma casa que ascendia aos céus de forma retilínea, mas um andar equilibrava-se mais à direita, outro mais à esquerda, outros mais a frente ou para trás. Era um verdadeiro milagre da arquitetura que aquela estrutura não tombava sobre si mesma. Mas nada possuía de moderna: suas paredes eram de chapas de madeiras alinhadas na horizontal, pintadas com uma tinta branca que já estava desgastada, e graças a isso e pela sujeira e abandono, aquele lugar era coberto em seu exterior por diversos tons de cores negras, do marrom ao cinza, até o preto de madeira podre e chamuscada. As janelas, em sua maioria retangulares, estavam todas fechadas com cadeados, correntes ou tábuas, e velhas cortinas esburacadas tapavam a visão do sombrio interior. A coloração original das janelas era de um azul-naval, mas que devido ao tempo e aos maus cuidados, também apresentava-se gasta e mais escura do que a pintura original. No topo da estrutura medonha, um telhado pontiagudo de telhas de barro isolava o interior da residência. Pelo que era possível enxergar na noite clara, o telhado era do mesmo tom de azul das janelas. Branco e azul, duas das minhas cores favoritas, mas que, naquele momento, traziam-me agonia ao observar aquela estrutura sobrenatural.

Virei-me para perguntar ao homem de branco se deveria bater na porta para alguém abrir, mas quando olhei para trás, tanto o homem quanto o carro não estavam mais no penhasco, e me encontrava sozinho diante a casa.

Decidi verificar a lateral da residência para encontrar alguma porta dos fundos, janela aberta ou qualquer outro acesso para a residência, mas a porta da frente parecia ser o único meio. Antes de voltar, olhei pela beira do penhasco para a cidade que, de noite, exibia seus pontos de luz como sardas no rosto de uma criança.

Eu podia observar toda a extensão da cidade ali: cada prédio, cada casa e avenida. Passei toda minha vida nesse lugar, conhecendo cada rua, cada esquina, perambulando por todas as regiões possíveis. Ainda no penhasco era possível ouvir: os motores de carros e motocicletas, as fábricas que jamais paravam de produzir, o som da vida se espalhando por aquela rede urbana. O cheiro também estava presente. O clássico aroma de poluição das cidades, porém misturado com o aroma dos pinheiros e carvalhos do bosque atrás. Tudo era vivo ali. Tudo existia.

Porém, eis aqui o grande problema deste lugar: ele não era real. Nunca houvera um penhasco nos arredores da cidade. Algo como aquele terreno, como aquela casa na ponta do abismo seria visível à qualquer um que passasse pela região. Só que não era, pois não existia e eu não conseguia compreender onde os meus pés pisavam. Se aquele lugar era ilusório, eu deveria estar caindo ou algo parecido. Em minha mente, o chão abaixo não existia, pelo menos em todas as minhas memórias daquela cidade.

- Isso é a porra de um pesadelo - Disse para mim mesmo.

Mas fosse pesadelo ou não, aquela casa alta estava em minha frente e aquele era o endereço onde tudo que eu possuía e estimava, família e amigos, estava. Fui até a porta da frente e dei três batidas na madeira fria que soaram de forma seca. Ninguém atendeu, então bati mais algumas vezes.

A CasaWhere stories live. Discover now