Visão Um: Reflexo

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A lua cheia iluminava parcialmente o ambiente e meu reflexo no espelho que cobria a parede posterior inteira possuía uma expressão de desnorteamento, a mesma que eu, obviamente, carregava em meu semblante. O manto que eu vestia esvoaçava delicadamente devido ao vento que entrava por cima e circulava pelo cômodo.

Fora o espelho, aquela sala possuía apenas uma poltrona com armações douradas e estofados de um vermelho bordô que também apareciam refletidos no espelho. Minha mente encontrava-se tão confusa com aquela sequência de acontecimentos sem explicações que eu duvidava até mesmo da própria existência do espelho. Eu o fitava com uma descrença em seu materialismo, perguntando-me se estava sonhando novamente. Lentamente, como se aguardasse uma nova surpresa ou um monstro que aparecesse do vazio para me matar do coração, comecei a me aproximar do espelho. Senti o frio da superfície prateada ao tocá-lo.

Reparei em cada traço da minha feição que era refletida, notando como o desespero e a confusão passeavam pelo meu olhar, por minhas sobrancelhas arqueadas, pelo meu maxilar tensionado. Desci o olhar e vi minhas roupas refletidas, ainda sem compreender de onde aquela vestimenta pálida tinha aparecido e como tivera ido parar em meu corpo. Minha postura era uma mistura de exaustão e tensão devido a todas essas situações ilusórias. Meu olhar era vazio, perdido, em busca de respostas no meio do caos.

Minha roupa estava suja e rasgada em diversas partes do tecido, embora momentos antes parecesse bem conservada. Tirei a mão do espelho e alisei a calça, depois a camisa, seguida pelo manto. Sentia a sujeira por cima do tecido e o pó incrustado. Subi a mão por um pedaço da roupa que apresentava um rasgo, próximo ao meu ombro direito.

Mas não senti nenhum rasgo naquela parte da roupa.

Desci o olhar até meu próprio ombro direito e confirmei que de fato, diferente do que visualizava no meu reflexo, o tecido naquela parte estava intacto e nem um pouco sujo.

Aquilo não fazia sentido e novamente meu corpo se tencionava. Senti os ombros enrijecerem e a dor que isso ocasionava. Queria levantar meu rosto para olhar para o reflexo que não representava minha imagem real, mas o medo me congelava ali. Meus olhos estavam mais abertos e meus ouvidos ficaram atentos para qualquer som que ocorresse.

Então ouvi o crepitar da madeira velha e o som de uma maçaneta virando e abrindo uma porta. Rapidamente me virei para confrontar o que viria a entrar naquela sala, mas a porta atrás de mim continuava fechada enquanto eu continua a ouvir passos correndo em um chão podre. Foi aí que virei novamente para meu reflexo e vi que ele corria por um corredor após atravessar a porta atrás dele.

- Ei! - Eu gritei, estendendo a mão e não esbarrando com nenhum espelho pelo trajeto dela. Xinguei silenciosamente minha própria ignorância por acreditar fielmente na ideia de um espelho dentro daquele local enquanto ficava surpreso ao mesmo tempo. Dei um passo um pouco desconfiado a frente, mas quando meu pé pousou adiante, tirando todas as parcas suspeitas de um espelho de verdade ali, comecei a correr no corredor atrás daquela... daquele...

O que era aquilo, senão meu reflexo? Mais uma ilusão? Não, eu tinha tocado aquele ser, sentido-o fisicamente. Então o que era? Um clone? Um fantasma? Um disfarce? Todas as três alternativas eram aceitas dentro deste lugar que a cada cômodo fugia mais da realidade. Eu precisava alcançá-lo para obter pelo menos uma resposta de qualquer uma das dezenas de questões que me passavam pela cabeça naquele momento.

Continuei correndo atrás da imagem por um número incontável de corredores. A cada curva, ela se distanciava mais e mais, chegando ao ponto de conseguir segui-la apenas pelo som dos passos pesados no assoalho de madeira, e após isso, apenas seguindo reto e adiante, sem nenhum tipo de orientação no ambiente iluminado por parcos lampiões de parede. Avancei desta forma incansável até fazer uma curva que dava para uma reta e que acabava em uma porta. Naquele corredor estreito, não havia outro lugar no qual aquele ser pudesse ter ido parar senão esse.

Confiante, avancei cada vez mais rápido naquela reta, lançando meu corpo com força contra a porta, escancarando-a e entrando violentamente em um cômodo desconhecido.

Eu não estava preparado para o que viria a seguir.

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