Paris - Antoine Bourgeoir

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Dentro do único helicóptero que conseguiu sair de Paris, um dos soldados rebobinou a fita que havia sido recém gravada, na última hora antes da cidade sucumbir aos zumbis, conectando o gravador antigo ao painel, transmitindo também para o fone do piloto.

- Soldado J. Gaillard falando de Paris, última parada antes de recuar para o Cairo. - a voz gravada começou. - Nosso último batalhão foi designado para socorrer a população e levá-los para o Egito, enquanto lutamos contra os zumbis da região. Estamos aqui desde final de Maio, 2 meses se passaram, menos da metade da população foi socorrida, o restante transformada. A cidade está abandonada e em ruínas...

Gaillard parou a gravação, deixando alguns segundos de chiado até recomeçar. Quando sua voz voltou a aparecer, estava quase inaudível, em meio a tiros e bombardeios.

- Nós... já sabíamos... sabíamos que bombas não adiantavam... Eles continuam vindo! - falava enquanto corria, tentando retomar o fôlego. - As luzes... conseguimos tirar a atenção deles enquanto outro batalhão ataca pela retaguarda, mas... Coronel, não sei se... - uma bomba explodiu, bem próxima à ele, fazendo a gravação parar de novo.

- Mas que diabos! - reclamou o soldado, avançando a fita, torcendo para que houvesse algo mais gravado. Vários minutos se passaram até que a gravação voltou. - Ufa! Achei que estávamos voltando de mãos vazias... - suspirou aliviado.

- Senhor Bourgeoir... - falava ofegante. - Acorde! - ouviu-se gemidos de dor. - Conte-me sua história, como contou há alguns minutos! Coronel, temos um sobrevivente! - falou mais animado.

- Meu nome é Antoine Bourgeoir... Sou pintor... tão cliché não é?! Mais um artista em Paris... - riu. - Uso bigode, boina, e tenho uma gata branca chamada Marie... cliché... - riu novamente, deixando o soldado impaciente. - Jacques... quer dizer... o Soldado Gaillard me salvou. Um dos helicópteros caiu sobre meu prédio e destruiu meu apartamento.

- O Senhor Bourgeoir disse que os zumbis atiram-se por vontade própria nos helicópteros e os destroem em um ataque kamikaze. Não há como nos livrarmos deles, nem pulando de para-quedas. Eles também atacam os paraquedistas! Queria que essa informação tivesse chegado a nós a tempo! - disse o soldado, irritado. - Perdemos todos os veículos exceto um... Eles estão dando a volta para nos buscar!

Nos próximos segundos só ouvia-se o som da chuva, batendo no metal do tanque onde os tripulantes do helicóptero encontraram o soldado e o sobrevivente. O tanque estava totalmente destruído, e nitidamente havia sido abatido pelos zumbis. Havia rachaduras na blindagem e até as esteiras de movimentação estavam retorcidas.

- Dirigi meu carro em alta velocidade, até encontrar seus soldados, e atropelei vários deles. Mas nenhum carro é páreo para uma horda! - disse Antoine. - Desviem das hordas! Juntos, eles conseguem destruir qualquer veículo, não importa o tamanho!

- Eles... eles estão aqui! - Gaillard gritou, enquanto o tanque era atacado. - Equipe de apoio, responda! Responda! Estamos em posição para sermos resgatados, mas uma horda está atacando o tanque! Temos pouco tempo! - gritou pelo walkie-talkie.

- ... Mantenha posição... - foi a resposta que recebeu do soldado do helicóptero, em meio ao chiado.

- Pelo amor de Deus, nos salve! - Antoine apertou o botão preso ao ombro do soldado, suplicando. - Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!

O soldado largou o gravador no chão, que ainda gravava tudo o que acontecia, tentando lutar contra os zumbis que já conseguiam entrar pela blindagem do tanque. Alguns tiros foram disparados, ricocheteando pelas paredes de metal, acertando o soldado na perna.

- Argh! Burro! - reclamou para si mesmo. - Senhor Bourgeoir! Antoine! - gritava, em meio à dor insuportável. - Preciso de ajuda! Antoine!

- Me ajude. Me ajude. - Antoine falava em tom mecânico, completamente parado.

- Ah, não! Não! Você não! - Gaillard lutava como podia para desviar dos zumbis, que pareciam estar totalmente focados em Antoine. - Coronel! - a voz ficou alta na gravação, machucando os ouvidos dos soldados que a ouviam. - Estas são as únicas informações que consegui... estou saindo do tanque, o Senhor Bourgeoir foi transformado... - disse com pesar, mas feliz por ter a oportunidade de sair do esconderijo ileso. - Ei! Ei! Aqui! - o som de batidas no gravador revelava que ele balançava os braços, para que o helicóptero de resgate o visse.

Um aviso, vindo do auto-falante do helicóptero, saiu com chiados e inaudível, em meio aos risos do Soldado Gaillard, celebrando seu resgate. Prendeu o gravador, ainda rodando a fita, na cintura, e subiu a escada de corda.

- A fita! - disse o soldado do helicóptero, antes mesmo de Gaillard conseguir entrar.

- É minha missão, não vou entregar a fita! - respondeu, mal conseguindo equilibrar-se na escada de cordas, com o balanço do veículo, que partiu com pressa. - O Coronel confiou a mim descobrir novas formas de vencermos e...

- A fita, AGORA! - insistiu o soldado. - Ou você morre, junto da sua preciosa missão!

Gaillard entregou a fita ao soldado, mas, mesmo assim, foi impedido de entrar. O soldado cortou as amarras da escada, olhando, sem piedade, o corpo dele cair em queda livre e espatifar-se no chão. Apertou o botão para parar a gravação.

- Como apagamos esta última parte, Dubois? - perguntou ao piloto.

- E eu vou saber? Essas parafernálias antigas são da sua época, não da minha! - riu.

****

Mesmo sem conseguirem apagar a última parte da fita, o piloto Dubois e o soldado Olivier entregaram a fita para o Coronel responsável, assim que chegaram ao Cairo.

- Bom trabalho, soldados. - o Coronel prestou continência. - Podem se dirigir aos dormitórios. O Tenente de plantão irá lhes mostrar onde podem descansar, comer e... tomar um banho... - torceu o nariz.

Assim que os dois saíram, ele e a Major, seu braço direito, ouviram a fita, etiquetada "Paris - Antoine Bourgeoir" na lateral, como todas as outras anteriores.

- Nada... - o Coronel deu um longo suspiro. - Nenhuma informação nova... - jogou a fita cassete sobre a mesa. - Quais as últimas notícias, Major? - sentou em sua cadeira, fechou os olhos e massageou as têmporas.

- Por alguma razão, o Cairo é a única cidade do mundo que ainda está suportando os ataques. As cidades estão em ruínas... Nossos acampamentos não comportam mais pessoas, a comida está acabando e... - engoliu seco, antes de continuar. - Algumas pessoas estão se suicidando, senhor...

O Coronel não respondeu... Apenas continuou massageando as têmporas, torcendo para que tudo isso fosse apenas um pesadelo.

Apocalipse: A morte da TerraWhere stories live. Discover now