13 de maio

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UMA MADRUGADA, HÁ QUATORZE ANOS

Sou um garoto qualquer, vivendo uma noite importante.

É meu aniversário.

Hoje eu completo quinze anos.

Mas eu não posso cortar o bolo, nem apagar as velinhas sem antes fazer algo que está me inquietando desde que me sentei à mesa de carvalho no escritório. Afinal, de remorsos já me bastam aqueles que me trouxeram até aqui.

Não preciso de mais nenhum, como, por exemplo, me tornar o responsável por destruir as noites de sono de um garotinho inocente para sempre, como destruíram as minhas. Ninguém merece isso. Ele parece ser tão gente boa!

Reviro as gavetas atrás de uma folha de papel em branco.

Depois, em letras grandes e legíveis, rabisco um bilhete, que penduro para o lado de fora da porta com a ajuda do chiclete de uva que também está fazendo aniversário dentro da minha boca. Dou alguns passos meio trôpegos para trás e confiro como ficou. Perfeito!

Não tem como não ver meu aviso antes de entrar no escritório.

Com a consciência mais tranquila fecho a porta e volto para dentro pegando a folha que carrego na carteira. Sento, mais uma vez, na imponente mesa de carvalho, acendo o abajur e desamasso o papel entre um gole e outro até, finalmente, me sentir preparado para escrever. Não fica perfeito, mas quem liga para um amassadinho? Daqui a pouco terão lágrimas borrando linha por linha, mas não serão as minhas.

Decidi que nunca mais derramo nenhuma.

Um dia a gente seca, né?

Para mim, foi hoje.

Prezado Sr. Chato do Cacete

Pensou que eu não escreveria cinco páginas sobre a minha festa de aniversário dessa noite? Como pôde? Como pôde pensar que nunca mais teria notícias minhas, se é uma das pessoas que eu mais amo nessa vida? Se é o meu melhor amigo?

Eu sei que faz seis meses.

Eu sei que deveria ter escrito antes.

Eu sei que deixei vocês preocupados.

Sei que está puto comigo.

Sei de tudo isso, mas não vou me desculpar ainda.

Antes preciso contar o que tenho feito da vida.

Passei os últimos seis meses com essa folha de papel em branco no bolso sem saber como fazer isso. Imagino que esteja me chamando de cretino e pensando que não tem a menor necessidade de eu ter medo de contar nada a você. Não é medo. É vergonha.

Vergonha de mim.

Como contar a você sobre cada um dos desacertos que, somados, transformaram meu conto de fadas em uma tragédia digna de ter sido escrita por Shakespeare? E que não sou mais o mesmo garoto que amou desde que se entende por gente? Como contar que, se me visse agora, teria vergonha de quem me tornei para conseguir sobreviver sozinho? Sei o que está pensando. Sempre sei. Mas eu achei que não tinha outra escolha, senão desaparecer.

Depois que fugi só por garantia, comprei uma passagem de ônibus para o lugar mais longe que eu pude e estou morando nas ruas da capital paulista desde então. Estou tão, mas tão fodido, que nem sei como me fodi tanto! Tudo era mais fácil quando eu tinha você para me proteger.

Quando meu pior problema era um simples pesadelo.

Algo que você podia fazer passar.

Todos os beijos que roubei - DegustaçãoWhere stories live. Discover now