Ele

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Eu sei amar.

Não é culpa minha se nunca consegui encontrar uma mulher que tenha despertado esse sentimento em mim. É culpa delas.

Minha falta de sorte com mulher é um fato incontestável.

Inclusive, passei os últimos minutos seguindo a última prova que o destino me deu desse fato: uma belíssima ragazza, que acabou de descer de um ônibus na esquina, enfiou o celular na bolsa e se pôs a caminhar apressadamente até o prédio onde mora, duas ruas para trás, com uma caixa nas mãos, abarrotada de coisas, exatamente como seus olhos estão abarrotados de lágrimas, as quais seca, com raiva, a cada passo.

Se você a visse agora sentiria pena dela.

Mas se tivesse comido a Tais por cinco longos meses saberia a verdade e teria pena é de mim.

Eu tentei me apaixonar.

Sempre tento.

E, no fim, sempre desisto, porque eu não consigo fazer acontecer.

Esperei, pacientemente, que minha família fizesse o trabalho sujo, escutando música dentro do carro, na porta da Benite's. Covarde? É algo a ser discutido. Não sou muito bom com despedidas, ou com garotas chorando. Aquelas que se agarram nas minhas roupas são a morte para mim. E a Tais é dessas. Das que imploram. Sabia que não ficaria bem, emocionalmente, quando soubesse que estou arrancando-a por completo da minha vida e jamais me perdoaria se não conferisse com meus próprios olhos que chegou bem em casa. Afinal, não é porque não a amo e me cansei do relacionamento raso que tínhamos, que não me preocupo com o seu bem-estar. Eu me preocupo.

Não o suficiente para me sujeitar a aturar seu ressentimento no ambiente de trabalho, para dizer que não a quero mais por perto com a minha própria boca, ou para lhe oferecer uma carona para casa. Definitivamente, não o suficiente para encarar uma briga pós-término de quarenta minutos no trânsito, com direito a lágrimas, gritos histéricos (como aqueles que encontrei na minha caixa postal) e mais um punhado de mentiras para que eu volte atrás de uma decisão que já está tomada. Mas me preocupo.

Eu adoro jogos de azar, mas dispenso os de conquista. E até hoje, infelizmente, ainda não encontrei nenhuma mulher que não tenha tentado jogar comigo. Tudo para ganhar o famoso par do meu anel. Não tenho paciência para isso. Para mulheres que preferem tentar me manipular, em vez de falarem na minha cara o que pensam, querem e esperam de mim. O famoso jogo limpo não existe mais.

Saudades da época em que ninguém sabia jogar ainda.

Época boa, que não volta mais.

Elas me lembram o Love, girando e girando no mesmo lugar antes de deitar. Isso só é bonitinho para mim quando vem do garotão. Eu não sou um homem manipulável. Sou um homem decidido. Sou um homem observador e intuitivo. Esse joguinho delas me cansa porque, na maioria das vezes, já sei o que querem.

Elas economizariam nosso tempo e minha paciência se, simplesmente, fossem sinceras. Comigo e com elas mesmas.

Ela quer dar no primeiro encontro, mas tem medo de que eu a ache uma puta. Daquelas de uma noite só, que não é para casar. Ela quer devorar o cardápio inteiro, mas sabe que sou adepto de uma dieta saudável e pede salada, ou porque quer me agradar, ou porque tem medo do que posso pensar a respeito do seu apetite. Ela está naqueles dias e quer ficar em casa vendo TV, dentro de um pijama, mas sugere um programa diferente, preferencialmente um que me agrade, porque tem medo de que eu ache ruim e acabe perdendo o interesse. E no fim da noite, inventa uma desculpa qualquer, quase sempre uma dor de cabeça, para fugir da transa. Elas não podem dizer a verdade, afinal de contas, homens ricos e bonitos não admitem imperfeições; e na cabeça cheia de vento delas a realidade é uma imperfeição. Vai se foder!

Gosto de gente autêntica, que não tem medo de mostrar quem é.

E sabe o que é pior? Se o primeiro encontro é legal, independente do que rolar nele, eu ligo no dia seguinte. Estou pouco me fodendo para a dieta dos outros, o único corpo a que me diz respeito é o meu e eu cuido dele por saúde e prazer, mas acharia incrível assistir uma ragazza comer uma pizza inteira sozinha na minha frente. Tive aula de biologia no colégio e tenho dois tormentos em forma de cunhadas, também tenho uma babá que era o próprio demônio reencarnado quando estava de TPM. Sei o que essa porra significa, aprendi tomando muita chinelada e não teria problema algum em sair para comprar uns chocolates ou em assistir alguns filmes daqueles de chorar no sofá. Se a transa não rolar, tudo bem também, mas não será por frescura minha. Eu não tenho frescura.

O problema é que também não tenho oportunidade de fazer nada disso.

Elas nunca perguntam.

Elas supõem.

Elas supõem que eu seja o que eu não sou pela minha beleza, pelo meu dinheiro, por quem meu pai é. E depois mentem.

Mentem até eu me cansar e chutar o rabo delas, como fiz esse final de semana.

E antes que digam que a culpa é minha, que eu deveria fazer esse discurso para as mulheres com quem sábio, é bom saber que eu me cansei de tentar.

Pedir que sejam elas mesmas comigo, não funciona.

Addio, Tais — murmuro, com a consciência mais tranquila, enquanto a vejo entrar em seu prédio e, determinado a passar o restante da noite trabalhando no Jose's, aumento o som no último volume.

Pego o caminho de volta, pensando no desastre que são os meus relacionamentos.

Implico bastante com meus irmãos comprometidos e tenho meus motivos, ambos fizeram péssimas escolhas, mas em meu íntimo sou obrigado a admitir que os invejo pelo que têm com suas ragazze. O que eu não daria para ter alguém com quem eu possa contar ao meu lado? Para ter alguém com quem eu possa me abrir e ser eu mesmo o tempo todo? Eu daria qualquer coisa para ter esse alguém para amar.

Para conseguir amar esse alguém.

Não alguém que chora por qualquer coisa, é mais inocente que uma planta e tem a mentalidade de uma criancinha, feito a mosca morta. Ou alguém que não chora por nada, é mais fria que um cubo de gelo e tem a mentalidade de uma sociopata sanguinária, feito a sanguessuga chupadora de carteira.

Alguém diferente.

Doce, inteligente, engraçada, quente, meio maluca, talvez.

Alguém que me complete.

Alguém me entenda.

Alguém que me surpreenda.

Alguém que não jogue comigo, mas saiba competir de igual para igual.

Alguém que me mostre quem é de verdade.

Alguém que consiga ver quem eu sou de verdade.

Alguém para quem eu sinta o desejo de contar quem eu já fui, quem eu já amei, alguém que não vá me julgar pelo que eu fiz...

Não busco a perfeição, pelo contrário, tudo que eu mais queria era encontrar alguém que compartilhe das minhas imperfeições.

Será que essa mulher existe?

Se existe, eu quero conhecê-la.

Ela deve ser uma mulher incrível.

Ela mereceria o par do meu anel.

Todos os beijos que roubei - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora