Capítulo 4

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CAPÍTULO 4 - SEJA BEM-VINDA.

Florence se encolheu no banco de trás do carro de Liam, a medida que uma construção colossal ia tomando forma em sua frente. Mesmo ao longe, ela conseguia ver perfeitamente bem que havia movimentação do lado de fora e que aquele lugar ficava bem perto de um tipo de barranco. Era uma escola completamente imponente e assustadora, mas a garota teria que se acostumar de qualquer maneira. Voltar para casa como uma garotinha aterrorizada estava fora de cogitação, embora parecesse tentador.

Porém, o mais engraçado é que Florence não recordava nada sobre o caminho que a trouxe ali. Se lembrava de deixar a mãe para trás e pegar a Avenida Principal e então mais nada. Depois só conseguia se lembrar de um cara alto e musculoso, com um olhar minucioso abrindo o portão da escola. Ela dormirá? Provavelmente.

Liam parecia concentrado no caminho, sem olhar ao redor, mas uma coisa deveria ser dita: mesmo a escola parecendo um tipo de prisão de filmes de terror, o lado de fora, o jardim contornado por uma floresta mais ao longe, era de tirar o fôlego. Tudo muito bem cortado e encantador.

-Então, aqui, no jardim, é onde geralmente os veteranos se reúnem para fazer algumas festas e lutas para se diverti. Os calouros são seu público preferido  – Liam comentou, ainda olhando fixamente para o caminho em sua frente – Não é algo muito comum, já que a Diretora é muito dura. Há tanto trabalho por aqui, que diversão é um assunto bem complicado. Mas os alunos sempre dão um jeito.

-Isso foi um tipo de tentativa para me deixar animada? – ela perguntou, com uma das sobrancelhas levantadas.

-Na verdade, foi – confessou – Funcionou?

-Nenhum pouco – ela disse, encostando a cabeça do vidro do carro novamente – Sempre fui contra a violência.

Liam, para a surpresa da garota, começou a gargalhar, como se fosse a melhor piada do mundo.

-Qual o problema? – questionou, confusa – Por que as risadas?

-Contra a violência? Você pode estar brincando! – ele continuou rindo.

-Não estou!- rebateu ela – Odeio agressões físicas.

-Então, me diga, como espera se tornar uma boa Filha da Noite?

-Ah, esse papo de Filhos do Negro de no...

-Filhos da Noite.

-Tanto faz – deu de ombros – Eu realmente duvido que isso ocorra.

-Meu Deus, você ainda não acredita?

-O que você acha?

-Então, por que você veio?

-O que você acha?

-Bem, de qualquer forma, temos muitos casos iguais ao seu, mas tudo sempre se resolve.

-Casos como o meu?

-De pessoas que duvidam de suas próprias naturezas. É normal até certo ponto. Eu até mesmo entendo. Mas as coisas ficam bem no final, porque basta um dia aula para tudo se esclarecer.

-Se o cara que me tirou da minha festa de aniversário super legal,  está me dizendo isso, então eu acredito.

- Basta pensar um pouco. Você viu o que eu fiz com a recepcionista, não viu?

-Não faço ideia do que você está falando – ela mentiu. A verdade é que essa cena a rondou a noite inteira e ela procurou uma resposta plausível e lógica para aquilo,  mas não conseguiu.

-Vai fazer.

O carro parou bruscamente e Florence teve que se segurar para não dar de cara no assento em sua frente. Liam dirigia como um adolescente sem carteira e sem conhecimentos e sem noção.

-Onde tirou sua carteira de motorista, hein? Estou vendo que é bem fácil passar lá – disse Florence, assim que retirou o cinto se segurança.

-Não tirei – ele respondeu – Não vivo a partir das regras dos mundanos, eu aprendi com meu supervisor. Agora, senhorita Willis, cai fora do meu carro.

-Gentil, eu vejo – Florence colocou a mão na maçaneta, mas Liam se virou em sua direção.

-Só mais uma coisa – ele disse – Não se preocupe com suas malas, estarão no seu quarto logo. O que precisa fazer é chegar  até a Diretoria, Minerva quer conversar com você.

-Meu Deus.

-O quê?

-Quem coloca o nome da filha como Minerva?

-Sai fora, Willis.

Florence saiu, mas, antes, ela viu um pequeno sorrisinho no rosto de Liam.

...

Os corredores estavam ainda mais movimentos do que o lado de fora.  Eram muitas conversas e alunos passando de um lado para outro. Sem falar nos pais animados. Mas o que deixou Florence desconfortável foi os olhares tortos que recebeu. As pessoas chegavam a dar caminho para ela passar, como se ela tivesse um tipo de doença. Quando ela perguntou sobre a Diretoria, todos apontaram para um mesmo lado, parecendo ter receio de até mesmo abrir a boca perto da garota. Ela caminhou mais rápido.

Não foi difícil encontrar a Diretoria, a placa que informava isso possuía letras grandes e com certo destaque.  Florence queria abrir aquela porta de uma vez e falar com a tal Minerva, mas se conteve. Haviam vozes saindo de lá de dentro, já que a porta estava entreaberta. Ela resolveu esperar.

-Alexander, como ousa levantar a voz para mim? – Florence escutou uma mulher gritar. Sua voz era aguda e enjoativa, mas parecia firme. A garota ficou com pena de quem quer que fosse Alexander – Me dê essa câmera de uma vez!

-Você sabe que eu nunca farei isso – agora uma voz masculina rebateu, também firme – É um presente da minha mãe.

-A mesma que abandonou você? – a mulher parecia pronta para qualquer discussão e suas palavras pareciam mortíferas – Vamos, me dê.

-Tem razão, ela me abandonou, mas quando voltou, você não deixou que me visse. Se ela não insistisse, eu nunca saberia como é seu rosto!

-Você quer o quê? Seu pai morreu por causa dela!

-Ele morreu pelas coisas que enfrentava!

-Tanto faz! Me dê essa câmera.

-Acho que nossa conversa acabou – Florence só teve tempo de ser afastar a uma distância considerável, antes que um garoto alto, com olhos castanhos e cabelos da mesma cor, escancarasse a porta com raiva . Assim que seus olhares se encontraram, o garoto pareceu surpreso em vê-la e a avaliou com um olhar duro, dos pés a cabeça. Antes de sair, ele fez uma cara de nojo para ela, como se sua aparência provocasse nele enjoo.

-Nossa, que boas-vindas – ela murmurou antes de entrar na sala.

Alexander havia deixado a porta aberta e Florence entrou sem bater.

-Ah, o que eu faço com esse garoto, Rick? – a mulher que havia discutido com Alexander, minutos atrás, disse, de costas para Florence, em sua cadeira gigantesca para, ao que parecia, ninguém. – É muito teimoso.

Florence se aproximou mais, ficando na frente da mesa daquela mulher.

Alguém arranhou a garganta, fazendo que  tanto Florence quanto a mulher se virassem em sua direção. Florence segurou um gritinho de horror, quando viu quem havia feito o barulho. Atrás dela, um tipo de humano desforme se mantinha paralisado, perto das sombras. Ele era alto e tinha várias marcas pelo corpo, não parecia alguém normal. Assim como Florence o encarava, ele também encarava ela.

-Florence Willis, entrar sem bater é uma falta de educação terrível – a mulher disse para ela – Realmente terei trabalho.

Florence então resolveu que era hora de encarar aquela mulher com voz assustadora.

Assim que finalmente se virou, percebeu que não era só a voz que era assustadora.

A mulher em sua frente, tinha uma  postura firme, cabelos brancos e olhos verdes, era tão amedrontadora que Florence quis correr dali. Sem falar naquele sorriso que carregava, como se soubesse que Florence já estava ferrada á muito tempo.

-Me chamo Minerva – ela disse – E bem-vinda a Escola Cinzenta, Florence Willis. Estávamos aguardando sua presença a muito tempo.

Nascida nas SombrasWhere stories live. Discover now