Sintomas - Capítulo 3

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Paixão é referente a dor.

Amor rima com dor.

Odeio essas frases clichês.

Sentimentos humanos dos quais sou desprovida. Quantas vezes já carreguei almas que morreram de amor? Incontáveis vezes. É estúpido, desprezível e lamentável. Como que alguém que tem tanta liberdade faz algo assim consigo mesmo?

Sentimentos humanos dos quais tenho muita curiosidade. Talvez pelo simples fato de conviver entre eles eu tenha adquirido tal reflexão. Contraditório, eu sei. 

Eu estava em um de meus momentos de descanso, — até porque não sou de ferro. — em meu local favorito. Uma pequena cabana de madeira caindo aos pedaços, no alto de uma colina semi-deserta. Vários anjos em missões na terra se abrigam ou descansam nela, há vários abrigos como este ao redor do mundo, entretanto, este é meu favorito.

Viktor é um dos poucos anjos que conversam comigo, um grande amigo. Diversas vezes, diariamente nos encontramos, nossos olhares se cruzam em câmera lenta — principalmente nos hospitais — mas a realidade é outra, minha passagem diante dele é como anos-luz, que mal posso enxergá-lo todas às vezes, então, apenas neste local é que trocamos palavras e podemos nos encarar como se o tempo não fosse acabar.

Ele cura os pacientes que estão a beira de minha visita, apenas para aqueles que ainda tem missões na terra. Essa é a função de suas vindas nesse mundo.

A névoa é densa, um humano morreria congelado com o frio emanado neste lugar. Lembrar-me de mortes nestes momentos me fazem desistir de descansar, só de pensar o trabalho em capturar almas cujo já saíram de seus corpos e vagam por aí... Do que adianta relaxar? É como acumular trabalho.

A cabana vazia, em pleno meio-dia, a cada passo dentro dela o ranger do piso emadeirado aumenta. Um vulto na varanda. Um espírito? Não. Virei-me para a porta.

Meu sorriso alargou-se.

— Dona Morte. — Sua voz penetrou meu ouvido como se me chamar pelo apelido fosse a melhor coisa que existisse. E era, pois, sou um ser que para todos os humanos devem, literalmente, ser descartado.

— Viktor. — Soltei minha fala presa por meses. Minha rouca fala. 

Suas asas desprendidas, iluminavam o ambiente pouco claro, mesmo sendo meio-dia, aquele local tampouco faz sol. Minutos, perdidos por olhares, ele ainda estava em sua forma humana.

— Sabia que te encontraria novamente. — Viktor retirou o silêncio despertando sua voz. Sim, já estaria eu, cometendo pecados novamente. Vício. Pelo menos esse sentimento eu conhecia e sabia que isso eu tinha por ele.

— Uma hora outra nos esbarraríamos por aí. — Respondi e logo calei o meu riso. — Viktor...

— Diga.

— Quero morrer. Preciso morrer. — Temi sua reação, porém, sua feição continuou como sempre.

— Conhece a história do antigo anjo da morte?

— Sei que ele existiu. Nada mais, nada menos. — menti, porque sabia exatamente o que queria fazer. 

— Para finalmente morrer, ele tornou-se humano. — Friamente, ele me respondeu. Chegando mais próximo de mim e começou a sussurrar em meu ouvido. — O castigo por brincar de morrer foi sofrer até alcançar seu triunfo, começou a descascar, sem sangue nada nele escorria, apenas ossos ele tinha, mesmo assim andava, com sua foice amada sob os ombros, até ela ficar inútil, quando isso ocorreu tornou-se pó. Renascendo humano com todas as suas lembranças. Sendo humano, sentiu dores que nunca sentiu, passou a ter diversos sentimentos humanos, foi tratado como lixo pelos seus semelhantes humanos. Foi atormentado por isso até a sua verdadeira morte. 

DESTINATÁRIO DAS COVASWhere stories live. Discover now