Prólogo

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             Estava na página 193. Não tinha ideia da razão pela qual sua mente se agarrou àquela informação inútil, mas o fato é que se lembrava. 

Recordava-se também perfeitamente do que lia no instante em que foi abordado pela senhora simpática que comandava o estabelecimento onde ele passava as tardes de quinta-feira absorto entre as páginas de seus preciosos livros e goles de café forte demais. Era seu primeiro Salinger, e ele não precisava nem mesmo ter terminado a leitura para saber que aquele seria um de seus livros favoritos: havia muito de Holden Caulfield em si, era o que acreditava. O protagonista sarcástico do romance ilustre, O Apanhador no Campo de Centeio, fazia com que se sentisse reavivado por aquela rebeldia juvenil. Uma parte dele, no entanto, acreditava que talvez aquilo fosse muito pretensioso de sua parte.

— Deixaram isso para você, criança. - o sorriso da senhorinha era esperto ao lhe entregar o pacote simples em papel pardo, quase como se aqueles olhos antigos demais enxergassem algo para o qual ele era cego. 

Tomou o embrulho entre os dedos, incerto. Um livro – ele soube antes mesmo que seus dedos rasgassem o papel: "O sol é para todos", dizia a capa. Franziu o cenho, estudando-a, e quando ergueu os olhos para questionar a Sra. Kim acerca do que acreditava ser um engano, ela já havia se retirado. O rapaz deixou os dedos percorrerem a edição antiga, sentindo a textura do couro em seus dedos, examinando o amarelado das páginas e experimentando o relevo das letras na lombada, como um amante a descobrir sua musa.

Abriu o livro com uma curiosidade quase infantil, de quem não tem ideia do que esperar, e foi surpreendido por uma caligrafia bem desenhada em caneta esferográfica azul. Uma dedicatória, falando diretamente com ele:

"Caro Leitor, 
Com o seu histórico de leituras, muito me admira que pareça tão envolvido por um rebelde sem causa feito Holden Caulfield.
Eu esperava mais de você, honestamente!
Peço que perdoe a intromissão, mas espero que Atticus lhe ensine algo sobre a verdadeira rebeldia: essa, que move o mundo.
Com afeto,
uma Leitora."

Os olhos escuros do rapaz se ergueram de imediato, vasculhando o ambiente por detrás dos óculos de aro redondo, ávidos por encontrar quem teria lhe enviado o presente, mas sem ter a menor ideia do que procurar. Entre a estranheza e a curiosidade, seus lábios deixaram escapar um sorriso enviesado, e fechou o livro como se aquele fosse um segredo precioso demais para ser compartilhado com quem quer que fosse. E era.

Naquela noite, Wonwoo deixou Holden de lado para se aventurar pelas primeiras páginas daquela história que peregrinara até suas mãos, num presságio do que dissera o próprio Salinger, em uma das passagens de sua obra, agora preterida: "não é tão mau assim quando tem sol, mas o sol só aparece quando cisma de aparecer".

Naquele dia, em um café escondido no centro da cidade, o Sol se fez - para todos, afinal.

GOYA • Jeon WonwooWhere stories live. Discover now