I. O Sol é Para Todos, Harper Lee

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"Coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado antes de começar, e mesmo assim ir até o fim, apesar de tudo.
Você raramente vai vencer, mas às vezes vai conseguir."

Era quinta-feira, e Wonwoo sentia como se tivesse se arrastado pelo restante da semana até finalmente chegar até ali. O que era curioso, visto que não era de sua natureza aquela ansiedade – ao menos de forma não tão incontida. Não se culpava, entretanto: pela primeira vez em algum tempo, ele tinha algo completamente novo pelo que esperar – e não apenas por aquela folga breve na agenda apertada, como toda semana.

O rapaz sempre se considerou um leitor veloz mas, com a rotina pesada do trabalho, era surpreendente o fato de ter demorado apenas um par de dias para terminar a leitura do romance que chegara até ele de forma misteriosa – e era precisamente por isso que mal podia esperar pela quinta-feira. Ao fim do livro, sentiu uma vontade inédita de retornar ao início, e não apenas porque a leitura foi uma das mais prazerosas de sua vida, mas porque sentiu que talvez tivesse passado rápido demais por aquele que era, de fato, um dos personagens mais cativantes que já conhecera: Atticus Finch.

Ele não conhecia a pessoa por trás da caligrafia prática e bem desenhada da dedicatória do livro – ainda que tivesse passado um número vergonhoso de horas vasculhando o pequeno recado e todas as páginas depois dele em busca de algo que lhe desse algum sinal da dona daquelas letras – e ele negaria isso até a morte, se preciso. Wonwoo não fazia ideia de quem era ela, mas de uma forma curiosa e que não conhecia explicação lógica, a conhecia.

Ou parte dela. Aquela parte que passaram a ter em comum, algo precioso e único. Tinham a paixão por uma história. E no instante em que conheceu e se aproximou daqueles personagens, sentiu-se de alguma forma mais próximo da autora da dedicatória, a quem até então conhecia apenas pela forma como sua tinta marcava o papel.

Quando exauriu suas possibilidades com o exemplar que tinha em mãos, decidiu aprofundar suas pesquisas acerca da obra. Com uma busca breve sobre a autora do romance, descobriu que ela só tinha aquele livro publicado em vida e o fato, apesar de surpreendente, pareceu-lhe fazer muito sentido: aquela era a obra-prima pela qual artistas anseiam durante uma vida inteira, e Harper Lee cumprira sua missão de forma brilhante. Gostaria que não fosse uma pretensão grande demais desejar o mesmo.

Não era nem mesmo seu hábito riscar livros, por deus! Mas naquele caso foi irresistível. Enquanto lia, o rapaz carregava o entre os dentes uma caneta esferográfica, grifando e anotando seus apontamentos página sim, página não. Ao fim da leitura, tinha ali seu volume mais ricamente aproveitado, desde a dedicatória até seus pensamentos finais, rabiscados na última página do livro. Pensamentos estes que lhe torturavam por não serem compartilhados com ninguém, visto que nenhum de seus amigos conhecia a história de Scout, e Jem, e Dill, e Atticus.

O que era mais uma razão pela qual ele ansiava tanto pelo fim daquela semana anormalmente longa, até o momento em que – com sorte – encontraria a pessoa que lhe apresentara a eles.

Wonwoo estava de volta ao café, enfim. O rapaz era extremamente metódico no trabalho, e acabava carregando o mesmo comportamento para a vida pessoal. Seguiu sua rotina de forma quase ensaiada: cumprimentou a Sra. Kim no caixa, para então tirar o sobretudo pesado, pendurando-o no cabideiro. Passou pelo balcão, e bastou um aceno ao barista para que ele confirmasse seu pedido com um sorriso polido: o mesmo latte macchiato de sempre. Tudo seguia o curso habitual, até o momento em que se dirigiu à mesa que tomava por hábito, no cantinho menos exposto do local, escondido de olhos curiosos e flashes indesejados. Naquela tarde, ao invés de tomar o assento de costas para a porta, como de costume, sentou-se de frente.

Bastava o sino no alto da porta soar, e os olhos de Wonwoo se erguiam atentos, para então caírem novamente em direção à mesa, miúdos de desapontamento: primeiro foi uma família com duas crianças, então um grupo de três garotos, e por fim um casal de meia idade. Nada que se parecesse com sua leitora – o que quase o fazia rir, visto que não fazia ideia de como ela se pareceria. O relógio já cumprira seu caminho preguiçoso até a marca das quatro e meia quando enfim tomou coragem de verbalizar sua curiosidade, chamando a dona do café até a mesa.

GOYA • Jeon WonwooWhere stories live. Discover now