Londres, um ano antes
Nicolas mal podia acreditar em si mesmo quando adentrou a sala do delegado e intercedeu pela tal Georgia Grossi.
Ela só tinha saído para ver um ex-colega de farda por quem tinha admiração e respeito, talvez tomar umas cervejas para rememorar velhos tempos e agora estava ali, praticamente exercendo direito ilegalmente em outro país, depois de anos sem qualquer prática ou atualização!
Sirano lhe pagaria, isso era fato!
Mas algo comoveu o ex-militar a respeito da italiana maluca. Talvez fosse saudades de sua terra e lar, mas quando ouviu as exclamações absurdas, as mudanças de idioma num sotaque arrastado, algo o moveu.
E depois de ver suas lágrimas, a fragilidade que ela só demonstrou enquanto pensou que estava sozinha, para explodir novamente assim que um dos agentes readentrou a sala, Nick se deu por vencido e tratou de utilizar toda a influência que detinha sobre o oficial que estava tratando do caso.
O delegado estava sendo pressionado pelas supostas vítimas – pessoas notórias, o enólogo, podia-se dizer que era até mesmo famoso.
E se tinha uma coisa que Nicolas estava enjoado de ver, eram pessoas usando a fama para exigir, mandar, se achar no direito! Os últimos anos de sua vida tinham sido gastos nesse meio e tudo o que ele não queria, era ver um salafrário destruir a vida de uma mulher por orgulho e arrogância.
Algum tempo depois de conversa entre ele e o delegado, tinha convencido-o de que a tal tentativa de homicídio não passava de um desentendimento familiar, sem demais consequências.
Usou tudo o que se lembrava das aulas de oratória e se surpreendeu pelo direito ainda estar tão fresco em sua mente, ainda que estivessem ali sob outra jurisdição.
Mas ele sabia que os princípios legais de igualdade, justiça e até mesmo moral eram os mesmos em toda a União Européia e em qualquer país democrático. Então bastou se utilizar deles em favor da mulher e ela deixou de ser uma acusada para ser, quase, uma vítima, ela própria.
Palavras como coação emocional irresistível, proteção da honra e ira justificada saíram pela sua boca com a eloqüência de quem está diante de um júri e até o herdeiro Dalgliesh ficou surpreso com a sua facilidade em argumentar por algo que achava, era o justo!
Agora só precisa convencer a tal "vítima" a parar de ser um cretino e a mulher poderia ir pra casa, depois de ser ouvida, claro!
Fez uma rápida pesquisa com os nomes deles na internet e descobriu que Georgia Grossi era uma chefe de cozinha em ascensão e que ela e o noivo, eram sócios de um restaurante muito bem localizado e com ótimas críticas, local do suposto crime.
Mais uma hora para convencer o canalha traidor de que a publicidade negativa destruiria o empreendimento do casal e Nick deu por fim a sua participação na contenda.
Até que o obrigaram a ir tratar com a "maluca", pois ela gritava com todos os que entravam na sala e fazia uma balbúrdia ininteligível para aqueles ingleses!
___ Ninguém aqui vai tolerar nenhum outro rompante, então é melhor você se assegurar que a sua cliente vai se comportar! – é o que delegado ordena, passando para a ele a responsabilidade de lidar com a "desilibrada".
Enviando a Sirano um olhar de "você me paga", Nick vai até a sala onde Georgia permanece, debruçada sobre a mesa de ferro, mas sem as algemas.
Quando ouve o barulho na porta, ela volta a si, estava longe, pensando nos últimos anos de sua vida e em como tinha sido imbecil de nunca desconfiar que John Milton era um canalha:
___ Finalmente alguém se lembrou que ainda estou aqui! – dispara, deparando-se com o homem mais alto e mais forte que já entrou naquela sala.
Ele não estava de farda ou com roupa social, o que ela estranhou.
Calça escura e uma blusa azul que fazia seus olhos saltarem de tão claros. Cabelos raspados, expressão séria, acentuado pelo queixo quadrado com um furinho.
___ Senhorita Grossi, me chamo...
___ Eu só quero ir para... – ela se interrompe quando se lembra que não tem mais casa – Só quero sair daqui! Você pode me ajudar com isso? Já envelheci dez anos da minha vida nessa cadeira, só preciso de um banho e um comprimido... Você é médico? Pode me receitar alguma coisa? Por que eu estou exausta mas duvido que...
___ Se a senhorita realmente quer ir pra casa, vai ter que ficar calada e ouvir o que eu tenho a dizer! – a interrompe num tom solene, a voz do comandante de uma tropa e algo nela a faz saber que obedecer é a atitude certa – Seu pequeno escândalo na chegada depõe contra a senhorita e o delegado já disse que não vai tolerar mais nada!
___ Eu sou a vítima dessa história e estão me tratando como uma criminosa! – ela não resiste e desabafa, para somente depois voltar a se calar.
___ Entendo que pense assim, mas foi a senhorita quem jogou facas a esmo pelos ares! Bem, não tão a esmo, aliás! Uma até chegou a cortar o braço do Sr. Miton, de raspão!
___ Foi é pouco!
___ Senhorita!
___ Por favor me chame de Georgia! Eu odeio essas formalidades, guarde para a Rainha!
___ Georgia, você queria mesmo matar seu noivo?
___ Ex-noivo!!! – faz questão de enfatizar, mas depois suspira – Claro que não! Só queria que eles parecem! Na minha cozinha? Céus... Nunca mais vou ter coragem de aparecer naquele restaurante outra vez!
___ Entendo que é a sócia! – o questionamento no rosto dela o faz completar – Já conversei com o Sr. Milton e ele concorda que tudo deve ser resolvido com discrição, que a imprensa não deve ficar sabendo de nada disso!
___ Claro que ele concorda!
___ Essa não é uma questão de polícia, OK? Vocês devem resolver isso, civilizadamente, na vida privada de vocês e deixar os bons agentes da Scotland Yard trabalharem crimes de verdade!
Ela finalmente assente, desanimada.
___ Se você não é médico e não é policial, então...
___ Me considere um amigo, alguém que estava no lugar certo, na hora certa, aparentemente!
Ela assente e Milo adentra a sala:
___ Nicolas, o delegado vai ver vocês agora!
Georgia percebe que o nome do tal "amigo" é Nicolas e se sente grata pela intervenção dele.
Depois de conversarem com o delegado e tudo se esclarecer, ela vai buscar suas coisas que tinham sido apreendidas e quando volta, o lindo e prestativo estranho não está em nenhum lugar a ser encontrado.
Lamentando não poder sequer agradecer pelo livramento de uma confusão que poderia ter acabado com a sua carreira, ela é liberada e vai se hospedar num hotel.
Tem uma vida para reformular, não pode perder tempo pensando nos belos olhos azuis, rosto lisinho e voz altiva, porém, sedutora do homem que a livrou da prisão.
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Ilha Dalgliesh - Livro 2 - Agridoce Atração
RomanceNicolas Dalgliesh seguiu a tradição da família: o segundo filho deveria ir para as Forças Armadas. E ele foi. Fez carreira, formando-se também em direito e sendo parte de uma força tarefa internacional num país em guerra civil. Até que recebeu uma d...