11 Esperança

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Esperança II - Gustav Klimt

Passei a noite de terça numa academia. E no momento estou passando a noite de quinta numa academia.

Estava sentada no chão do tatame que Ryan e o treinador dele não estavam usando. Já estava na página duzentos de "cem anos de solidão" desde que comecei a lê-lo na terça. A academia estava fechada nesses três dias durante a noite e só Ryan eu e o treinador entravamos. Pelo jeito que me ignoravam, presumi que era sempre os dois sozinhos. De todo não estava sendo tão ruim, enrolei anos para ler esse livro e finalmente estou tão entediada que um clássico me pareceu muito interessante.

Ryan era muito focado. Seu olhar, seus movimentos e gestos... eram todos muito bem calculados e certeiros. Eu não me sentia muito bem vendo ele batendo em coisas, assistia o início do treino e logo me virava para o lado oposto para ler meu livro.

O treino de hoje foi mais leve que o dos outros dias. Escutei o treinador dizendo que ele precisava estar descansado para amanhã, eles mais conversaram do que qualquer outra coisa, parecia uma conversa de um coaching de páginas de motivação para homens na academia, não gostei muito dele, mas Ryan parecia confiar a sua vida a ele.

Ao final, quando o treinador se foi, me preparei para levantar e ir embora, mas me surpreendi quando Ryan se deitou ao meu lado. Fechei meu livro um pouco sem jeito e o observei. Ele estava sem camisa, um pouco suado. Estava de olhos fechados, parecia apenas descansar.

_ Por que você não me assiste treinar?

Ryan me pergunta, seus olhos ainda fechados davam um tom de informalidade para conversa.

_ Assistir pessoas batendo em coisas ou outras pessoas me deixam nervosa.

Ele abre os olhos por um instante, franze as sobrancelhas e ri alto.

_ Não foi o que pareceu semanas atrás.

Eu não queria falar sobre semanas atrás. Ainda me sentia um pouco sem jeito quando pensava que Ryan estava com um processo em andamento por agredir um policial.

_ Por que você luta? Não tinha algo mais... saudável?

_ Eu não sei... eu gosto da sensação da adrenalina pulsando nas minhas veias quando estou batendo em alguém e milhares de pessoas gritando em volta.

_ Isso poderia ser doentio.

_ Por que você pinta? _ Ele pergunta ainda sem me olhar.

_ Gosto do momento. Parece que o mundo e os problemas dele desaparecem. Não tem adrenalina pulsando nas minhas veias, mas a sensação também é muito boa. -Ele ficou em silêncio então continuei. - Eu já tentei gostar de coisas mais interessantes ou úteis, tipo estudar sobre biologia ou arquitetura ou as estrelas, ser uma pessoa mais culta, assistir palestras motivacionais de grandes filósofos, ler livros que não servem apenas para contar histórias de romance, mas até pouco tempo atrás eu ainda confundia astronomia com gastronomia.

Ryan solta uma risada baixa. Ele finalmente olha para mim e consigo ver o suor escorrendo da sua testa e passando pelos cabelos molhados. Um arrepio acende todo meu corpo lentamente. Posso sentir que minhas mãos estão suadas, sinto meu sangue ferver e sei muito bem o motivo. Eram lindos seus olhos, acho tão chique quem tem um olhar bonito, o meu não estava servindo nem para desviar das quinas dos móveis.

_ E como você aprendeu a diferença?

_ Aprendi depois de maratonar diversas temporadas de programas de culinária na televisão.

_ Sabe, eu também não era dos mais inteligentes do mundo não. Se eu não lutasse... tenho certeza que estaria tentando formar em algum curso da faculdade até hoje.

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⏰ Last updated: Oct 04, 2023 ⏰

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