CAPÍTULO 2

244 33 93
                                    

A cerimônia de condecoração finalmente tinha acabado e Carla seguiu cabisbaixa para fora do grande salão.

No caminho, via as pessoas que haviam sido condecoradas conversando entre si, rindo e comemorando, seguindo suas felizes vidas em uma celebração que parecia exagerada demais, como se quisessem apenas feri-la com ela. Sentia a fúria e as lágrimas presas em sua garganta sufocando-a. Como ousavam ser felizes enquanto ela se sentia miserável?

Ela caminhou lentamente pelos corredores do amplo andar daquele prédio até o hall e finalmente estava sozinha, embrenhando-se pelos caminhos como quem se perde. Mas não estava perdida, sabia cada ponto e destino daquelas vielas como a palma de sua mão.

A sede da Ordem era como sua segunda casa, afinal, tinha crescido nela e conhecia tudo a respeito da maior máfia do continente.

Seu pai tinha sido um dos integrantes da cúpula, o primeiro e único agregado da história da organização a assumir a cadeira de Vice Líder. E antes do atual gestor, Ruan Castro, sua avó tinha sido a Grande Líder, a memorável Raquel Moretti.

Ninguém pertencia mais àquele mundo do que Carla Moretti.

A Ordem é como um conglomerado de empresas. Muitas empresas. Grandes, pequenas, algumas mais rentáveis e outras menos, trocando serviços entre si de forma colaborativa e orgânica. Uma rede complexa de interações, serviços e conflitos, em muitos níveis e camadas.

Como todo conglomerado, existe um líder, um CEO que encabeça tudo — o Grande Líder. E também uma cúpula de Vice Líderes, com pessoas influentes selecionadas que administram todos os interesses das engrenagens que são cada "empresa" associada.

Apesar de ser a maior máfia do continente, não é só por isso que ela seria composta por práticas do submundo. Empresas reais a compõe, assim como agências de advocacia, famílias importantes dentro e fora do comércio ilegal, personalidades famosas e a mídia. Políticos, representantes religiosos... Diplomatas e até organizações de espionagem ou militares. Tudo faz parte da Ordem.

A Ordem é o que mantém o sistema.

Ela existe como uma seita e tem seus próprios rituais e costumes. Antes de um conflito acontecer em qualquer parte de Cicék, de Pátia a Cicége, a Ordem é quem decide seu início e seu fim.

O crime e a economia são organizados por ela assim como a política. Quase tudo é da Ordem. Existem inimigos declarados a ela, é claro. E muitas outras máfias e gangues menores que tentam existir evitando contato ou conflitos. Mas no fundo, a Ordem é o leão desta selva.

Os colaboradores e integrantes da Ordem são divididos em Classes, e, de forma geral, cada uma delas representa a importância e poder aquisitivo daqueles que estão dentro da organização. Pessoas de Classe A, como Carla, são as ligadas diretamente ao sangue das cinco famílias originárias e as seletas famílias agregadas que têm alguma relação de parentesco por associação como o casamento (como era o caso de seu pai).

A Classe A tem uma história milenar. A máfia de todas as máfias, no passado, foi formada por cinco famílias chamadas de originárias: Castro, Tyrone, Moretti, Walton e Vertheimer. Cada uma delas representando antigas linhagens de sangue que comandavam os territórios de Cicék, e tinham, todas, um grande legado.

O legado de sangue das famílias originárias foi passado através das gerações e, quando a Ordem foi formada, os conselheiros de cada família, chamados de anciãos, determinaram que a aura pura compartilhada pelos cinco sobrenomes era o bem mais precioso daquele pedaço de terra cercado pelo Oceano Atlântico Sul.

Aura pura.

Havia tanto sobre ela que a Ordem como um todo não entendia. Era o karma que apenas os herdeiros dos originários poderiam suportar e Carla Moretti o carregava com dificuldade em seus ombros adolescentes pelos corredores sombrios da sede.

Legado INCONTROLÁVELWhere stories live. Discover now