CAPÍTULO 1

807 101 393
                                    

Cicék, Tanrisa, 7 anos antes...

Carla tinha quinze anos quando seu pai foi executado em uma negociação da máfia, mas lamentar sua perda era um esforço inútil agora que tinha o legado da família Moretti para assumir.

E ali estava ela, usando aquele seu vestido rodado preto e uma sapatilha envernizada de mesma cor, como se tentasse através de sua imagem viver nem que seja um pouco do luto interrompido. Ao seu redor a densa massa de cabelos castanhos emolduravam o rosto magro, cheio de sulcos de exaustão.

Era a princesinha que todos queriam ver, comportada e triste, digna de pena e compaixão: a trágica herdeira de uma das famílias originárias. Tinha olheiras fundas e arroxeadas das noites sem dormir, os cantos dos olhos avermelhados de tanto esfregá-los enquanto chorava na insônia perturbadora.

Mesmo não tendo passado nem uma semana do ocorrido, ela precisava exercer o papel de sucessora de sua família. Como integrante da Ordem de Classe A, ela tinha que estar ali representando o seu falecido pai que antes ocupava uma cadeira na cúpula em mais uma cerimônia de condecoração.

Ao seu redor, das pessoas que também exerciam seus papeis, não havia mais ninguém de idade próxima além de um rapaz de cabelo negro profundo e olhos dourados. Jonathan Castro. Mesmo que ele não assumisse oficialmente uma cadeira na cúpula, sempre estava andando atrás dos que ocupavam, adulando os anciãos como se quisesse, acima de tudo, ser o favorito deles.

Carla já odiava Jonathan antes, mas agora, com ele sorrindo simpático o tempo todo sem o mínimo de respeito pela sua dor, odiava-o em dobro.

Estava sozinha, então. Afinal, além de Jonathan, todos os outros integrantes das grandes famílias de Classe A presentes ali eram adultos bem mais velhos que ela. Será que todos esses desconhecidos se davam bem com seu pai? Será que sentiam falta dele sempre que a viam ali, como um fantoche, lembrando a todos de que ele tinha morrido? Será que se importam minimamente com o fato de que ele tinha sido executado a sangue frio pela Tríade?

O grande salão da sede da Ordem tinha um clima denso e abafado, além de muito escuro, enquanto as velas e o lustre de cristal davam uma iluminação amarelada ao ambiente. A atmosfera era opressora graças à profusão de sombras assustadoras que se projetavam nas pilastras grossas e colossais, mas não tinha para onde escapar, era quem ela era agora.

Carla suspirou tristemente sentindo suas entranhas embrulhadas em uma náusea dolorida, assombrada pelo próprio mundo pela primeira vez na vida. E, para não ceder ao choro, mantinha os olhos verdes vidrados no chão enquanto ouvia o ritual de boas vindas aos novos colaboradores táticos, franco atiradores de elite Branca recém graduados.

A fala do ancião parecia distante e vazia. Diante dela, vários garotos e garotas enfileirados, além de homens e mulheres de diversas idades, ouviam e esperavam para receber suas condecorações aleatoriamente de um dos Classe A. Cada um deles receberia uma pequena medalha que ficava pendurada em um broche pentagonal de pino dada por um integrante da cúpula.

Terminada a fala, Carla marchou automaticamente, pegando uma das pequenas medalhinhas prateadas de cima da bandeja que um dos anciãos passava segurando, e seguiu em direção ao primeiro rapaz da fila dela.

Prendeu o broche em seu paletó preto sem olhá-lo, as mãos trêmulas e frágeis manipulando aquele item bem seguro no tecido.

— Pela Ordem... — Ela começou em um sussurro.

— Pela Ordem... — O rapaz repetiu baixinho com seu sotaque forte italiano, mantinha os olhos presos na moça diante de si.

— E pela paz... — Carla disse e finalmente levantou o olhar.

Legado INCONTROLÁVELWhere stories live. Discover now