Capítulo 10 - Cinco Sílabas

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Se tem um coisa que eu gostaria de ter herdado do meu pai, eram os seus olhos azuis

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Se tem um coisa que eu gostaria de ter herdado do meu pai, eram os seus olhos azuis. Apolo e Hélio foram os únicos sortudos a conseguir essa proeza, até porque, eles eram a cópia esculpida de carbono do senhor nosso pai.

Eu, por outro lado, era uma versão empobrecida da minha mãe. Herdei a cor do cabelo, só que bem menos vermelho. Herdei o tom de pele branco, só que menos saudável. Herdei o corpo bem distribuído, só que com menos peitos. Ou seja, se a minha mãe era a Barbie eu era a genérica barata do camelô na Uruguaiana.

A única coisa que mantive foram os quadris largos, assim como Hipólita. Ela era a mistura entre os nossos pais: Cabelos escuros como ele, olhos castanhos como ela. Maia também era a mistura entre mamãe e Alejandro, mas Selene puxou totalmente o pai.

Alejandro morreu um pouco antes de ela nascer e foi como se ele tivesse voltado ao mundo na forma dela, de tão parecidos.

O que era muito assustador.

Meu pai se mudou para São Paulo quando ele e minha mãe se divorciaram e, depois disso, o máximo de tempo que passamos com ele de uma vez é um final de semana inteiro. Fazia tempo que eu não o via - pensem em meses - e, teoricamente, ele deveria entrar em contato com seus quatro filhos pelo menos uma vez por semana.

Mas não é exatamente assim que a banda toca.

Ele disse que assim faria - como se uma ligação uma vez por semana fosse algo aceitável, pra início de conversa. Mas aparentemente esse senhor que doou espermatozoides para minha mãe entre 1997 e 2001 sofria de amnésia.

Quando eu digo que meu pai é um babaca, entretanto, a sua paternidade lamentosa não é nem o motivo principal. Ele era uma pessoa egoísta. Não me lembro de um grande evento de egoísmo que ele tenha protagonizado pra contar, ele simplesmente era assim vinte e quatro horas por dia. Estava no seu DNA. Em todas as suas ações.

E é por essas e outras que tenho tolerância zero para egoísmo.

E para o meu pai.

Todas as nossas conversas se davam mais ou menos assim:

― Oi filhota - dizia ele, com uma animação forçada que me fazia revirar os olhos.

― Oi pai.

― Como vão as coisas? Como vai a escola - sempre a escola.

― Hum. Bem. Notas boas e tal.

― Que ótimo! Continue com o bom trabalho.

― É.

Silêncio constrangedor.

Mais um pouco de silêncio constrangedor e impaciência da minha parte.

― Ok, passe pra sua irmã porque eu ainda não falei com ela. Um beijo, filha.

E era assim. Toda santa vez.

Não que eu esteja reclamando, eu não estou. Fico feliz pelo meu pai não tentar forçar um relacionamento que não existe e simplesmente me deixar no meu canto. Nós nunca precisamos dele de verdade.

Sob O Mesmo TetoWhere stories live. Discover now