Quando nossos sóis se apagaram, tornaram-se lua

124 10 4
                                    


Tema 5: Criatura sobrenatural

(Aviso de conteúdo: morte. Pesei a mão no angst dessa aqui, leiam com cuidado!)

*

A visão de Pac estava afunilada, as bordas sendo lentamente consumidas pela escuridão. Havia algo de convidativo naquilo, uma voz sussurrante e inebriante que o arrastava mais e mais fundo, afogando-o em pensamentos desconexos e numa canção tal qual uma canção de ninar, embora fosse mais lenta, muito mais pesada, arrastando-se pelo corpo dele como uma cobra pronta para o bote.

Era uma sensação angustiante e convidativa ao mesmo tempo. Fazia Pac querer fechar os olhos e se render.

Não era a primeira vez que sentia aquilo. A presença de Breu em sua mente agora já era uma velha conhecida, embaralhando seus sentidos, fazendo-o lembrar-se de coisas que não queria e esquecer outras que jurara para si mesmo não esquecer nunca.

A primeira lembrança foi do sumiço de seu filho.

Não o sumiço de Richas e dos outros ovos; não. A primeira vez que seu filho sumiu foi antes da Ilha, antes da prisão, antes... antes de tudo... ele se lembrou, enquanto a sensação quente como fogo borbulhava nas entranhas, de ter um filho, uma criança a qual amava com todo o coração, e que foi roubada do quartinho infantil onde Pac o colocou para dormir em uma noite como qualquer outra. Lembrou-se da dor, do grito desesperado, das noites e dias e semanas e meses procurando, e nunca encontrando respostas.

Lembrou-se de desejar trocar de lugar com o filho. De desejar com todo o coração que ele tivesse sido levado.

Entendeu, finalmente, o motivo de não se lembrar daquilo anteriormente. Entendeu que, ao ser preso em Alcatraz e ter que lidar com tantas pessoas, amigos e inimigos, havia escondido a perda do filho no fundo da mente, a fim de ser mais forte, a fim de conseguir sobreviver e fugir.

E então, de repente, ele tinha outro filho. Uma nova família, um novo lar.

E, de novo, aqueles que amavam eram arrancados do meio de seus braços; a cama vazia de Richarlyson, o sumiço de meses de seu melhor amigo, a bandana de bigode abandonada na casinha de Ramón, os dias solitários enquanto todo mundo dormia e esperava aquele tempo passar. De novo, e de novo, e de novo, sempre pessoas que ele amava.

As crianças voltaram, mas nada mais era igual. Os efeitos das Happy Pills ainda estavam presentes em sua mente, ainda faziam ele ficar acordado por noites a fundo, lutando uma batalha interna para não ter uma recaída, para não estender a mão, abrir a gaveta do lado da cama e tomar mais uma pílula.

Quando a federação decidiu resetar o experimento, a mudança de ares foi boa, por um tempo. A presença constante de Ramón e Fit em sua vida eram um bálsamo, uma distração, um amor diferente de tudo que ele estava acostumado – calmo, sereno, rotineiro. Pac focava neles e em Richas, e, por poucos meses, achou que tudo estaria bem. Que tudo finalmente estaria bem.

E aí tudo deu errado de novo.

Primeiro, Fit sumiu. Ele prometeu que voltariam a se ver na segunda, despediram-se de uma forma que fez Pac se sentir amado e confiar no retorno do namorado. Os dias tornaram-se semanas, e, enquanto ninguém parecia ligar para o fato de Fit estar sumido, algo borbulhou dentro de Pac.

Se as ameaças da ilha iriam voltar a atormentá-los até ali, há centenas de milhares de quilômetros de distância... Ele precisava ser mais forte.

Os filhos e todos os outros ovos também estavam dormindo, mais uma vez provando que a Federação ainda tinha total controle sobre os experimentos, e Pac foi atrás da única coisa que o permitiria ser forte naquele momento. Andou milhares de quilômetros, buscando livros e registros antigos, passou noites e dias enfurnado dentro de cavernas, fugindo de wardens e afastando-se cada vez mais, até, finalmente, finalmente, achar o mapa correto.

Em mais outros universos onde te encontreiWhere stories live. Discover now