Quando nossos sóis se apagaram, tornaram-se lua

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Pac riu. No fundo de sua mente, Breu riu também, e, pela garganta do brasileiro, ambas as risadas ecoaram de maneira sinistra. Os olhos de Pac vertiam lágrimas cujos sentimentos por trás ele não sabia nomear.

— Chegaram tarde demais. A Federação acabou, nós terminamos com ela!

Era apenas uma meia verdade. Breu sabia que ainda haviam laboratórios e funcionários espalhados pelo mundo, mas havia uma certa satisfação em contar aquela mentira, tanto de Breu quanto de Pac.

Fit sentiu Madagio estremecer dentro de si. Ele sabia que o chefe havia gasto muita energia, tanto para transformá-lo em um servo, quanto para trazer os dois de volta para dentro do Sistema. E tudo havia sido em vão?

— Pac... cadê meu filho? — Finalmente dando-se conta, Fit olhou ao redor. Estavam no novo spawn, completamente destruído, mas ele não viu uma viva alma ali além de Pac.

O brasileiro ergueu o olhar novamente, dessa vez a raiva aplacada. Os olhos amarelos, manchados permanentemente de vermelhos tal qual citrino, subitamente foram tomados por um brilho de tristeza.

— Fit... — Chamou baixinho, encolhendo-se.

— Cadê o Ramón? E o Richas? E a Sunny...

— Eles estão mortos, Fit. Todos eles. Todos os nossos amigos, nossos filhos... a Federação matou todos.

As palavras de Pac descansaram entre eles. Dentro, no âmago dos seres, tanto Breu quando Madagio se agitaram, borbulhando em raiva, cada qual por seu motivo, e raiva também consumia Fit e Pac, os quatro dividindo, pela primeira vez, um mesmo sentimento.

— Como assim? Não pode ser, Pac, eles devem estar só em algum lugar e...

— Eu vi os corpos, Fit. Eu... quer dizer, Breu, nós dois enterramos cada uma das crianças. Todas elas, Fit. Eu vi. — Proferir aquelas palavras doía mais do que as lembranças. Tornava tudo mais real. A careta de dor que Fit fez ao ouvir aquilo doía mais do que qualquer ferimento que já havia sofrido em sua vida mortal.

— Não. NÃO! NÃO, NÃO, NÃO! — Fit gritou, curvando o corpo para frente e socando o chão de terra. — Por que você não me deixou voltar, Madagio? POR QUE? Eu podia ter salvado todo mundo!

Arrastando-se pela terra, Pac chegou perto de Fit e envolveu o corpo do namorado em um abraço apertado, também chorando pela morte dos filhos, pelo tempo que foi roubado deles; a raiva não existia mais, pois sempre soube, no fundo, que Fit não era culpado por seu sumiço.

Os dois ficaram ali, apenas sentindo o calor um do corpo do outro, realmente sentindo após tantos meses de estupor. Fit escutava o silêncio de Madagio dentro da mente, ensurdecedor, culpado.

— Me desculpa, Pac — pediu, a voz cortada por soluços. Pac deslizou a mão pelas costas dele em um carinho, buscando dar conforto para ele. — Por favor, me desculpa.

— Eu te desculpo, Fit.

O choro do americano tornou-se mais forte, dessa vez aliviado. Pac continuou o carinho, ao mesmo tempo que sentiu Breu ficando entediado, forçando pontos de sua mente, insistindo para retomar o controle. Em um último ato, ele suspirou, afastando-se para chamar a atenção de Fit.

— Meu tempo está acabando.

— O... que? Por que?

— Eu me rendi a ele, Fit. A maldição. E ele quer voltar, e, honestamente, eu não vou impedir. É difícil explicar, mas quando ele está no comando eu não sinto nada, Fit. Não sinto dor, não sinto saudade, não sinto nem tristeza. Eu só existo, me lembro das coisas, mas não sofro, sabe? — Pac falou, suplicante de novo, a voz aumentando de velocidade enquanto se explicava.

— Eu sei. É a mesma coisa quando Madagio está no comando. Eu não sinto nada, na maior parte das vezes. Senti hoje, quando te vi.

— Foi o mesmo comigo. — Pac fechou os olhos. "Só mais cinco minutos" pediu, implorou, e Breu aquiesceu. — Você me trouxe de volta depois de meses preso.

— E mesmo assim você quer aquilo de volta? — Fit perguntou, lembrando-se dos olhos vermelhos, da voz rouca, da pessoa que o namorado havia se tornado nos meses afastados.

— Eu quero destruir a federação, Fit. E Breu vai fazer isso por mim. Sinto muito, mas é isso que eu quero agora. — Um pensamento cruzou a mente dele, e tanto Pac quanto Breu sorriram diante da ideia – Pac com fraqueza, enquanto Breu arreganhava os dentes dentro de si. — Pode se juntar a mim, se quiser. Podemos ficar juntos, não da forma que imaginávamos, mas... juntos.

Fit cogitou, muitas coisas passando ao mesmo tempo dentro de si. Saber que Ramón estava morto, que Pac havia enterrado todas as crianças sozinho... ele voltou para a Ilha na posse de Madagio esperando que, ao ver o filho, conseguiria retomar o controle; agora, porém, não havia mais nada ali, nem ninguém.

Além de Pac e da proposta de destruir, de se vingar.

Dentro de si, Madagio ronronou, feliz, as pupilas fechadas como fendas de felicidade. Fit suspirou, mas também sabia que a quietude de sentimentos seria bem-vinda; e a ideia de ficar com Pac, sabendo que os dois, possuídos por criaturas sobrenaturais e poderosas, não envelheceriam, era muito tentadora.

— Você já tomou sua decisão. E a minha decisão ainda é estar contigo até o fim de nossas vidas, se você quiser. Madagio pode ajudar Breu a destruir o Sistema, finalmente ele vai ter sua vingança da Federação.

Pac assentiu, colocando-se de pé. Fit também se ergueu, ajeitando a roupa impecavelmente branca ao redor de si; eles contrastavam agora, ele e Pac, preto e branco, e logo não estariam mais no controle, mas, no fundo, sempre seriam os mesmos Fit e Pac.

Novamente, o brasileiro deu um passo a frente e envolveu o namorado em um abraço apertado. O americano devolveu o gesto com força, guardando para si a sensação de ter Pac em seus braços, a sensação de sentir algo depois de anos.

— Eu não pude me despedir de ninguém — Pac falou, a voz abafada pelo longo casaco de pelos que Fit usava. O americano apertou mais o abraço, não querendo se separar nunca. — Mas eu vou me despedir de você. Eu te amo, Fit. Vou sentir sua falta, todos os dias.

— Eu também te amo, Pac. Vou te amar pra sempre, enquanto nós vivermos.

— Enquanto nós vivermos — Pac concordou.

O beijo que trocaram seria o primeiro e último, foi rápido, desesperado, com gosto de despedida e de reencontro ao mesmo tempo; igual aquele encontro, era uma confusão de sentimentos bons e ruins, dor e paixão, raiva e alegria, saudade e amor.

Uma dualidade, tal qual cada um deles vivia em suas mentes.

Quando enfim se separaram, Fit assentiu com a cabeça, de maneira encorajadora. Eles se abraçaram, sabendo que ali era a último momento para sentir. A influência de Breu era mais forte, de modo que Pac foi o primeiro a fechar os olhos e entregar-se à possessão. Fit fez o mesmo, aceitando de bom grado o silêncio e a paz que a volta de Madagio trouxe aos seus pensamentos.

Breu e Madagio se entreolharam, sob o corpo de Pac e Fit, e iniciaram acaminhada para destruir a Federação.

*

Notas de Abê: A ideia do Void!Pac e do Madagio!Fit veio da AU que a Barbo desenhou (https://twitter.com/barb_png/status/1810713097784455527), e ver esse desenho me inspirou DEMAIS pra escrever algo onde sentimentos e dualidade fossem tão vívidos! Obrigado Barb

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