O herói

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Jasson não lembrava do dia em que chegara naquele orfanato, mas com certeza aquilo era normal, era como querer lembrar do dia em que nascera. Viver ali era, no fundo, algo bom, mas era sempre tão monótono que as vezes aquele garotinho de 12 anos se via perdido em pensamentos estranhos e sonhos com terras fantasiosas, lá ele poderia ser o herói que quisesse e ajudar todos que queria. Na mente de uma criança solitária o mundo sempre vai ter uma esperança, mesmo que seus arredores sejam escuros e sem cor seus pensamentos são do mais puro colorido.

— Ei, Jasson. O que você tá fazendo? — Uma voz perguntou, atrás dele.

Jasson estava olhando a chuva descer pela janela do orfanato, não era muito comum chover naquela época do ano, então sempre que uma gota batia no chão ele corria para a janela e largava tudo que estava fazendo para olhar a mudança de clima. No vidro da janela ele podia se olhar nos olhos também, o que era fascinante para ele, seus olhos eram escuros, um castanho comparável ao preto, e seu cabelo era liso mas bem curto, sua pele era parda, Jasson era uma criança bem simples.

— Estou vendo a chuva Eduardo! — ele respondeu. Eduardo era uma das únicas crianças do orfanato que falava com Jasson, ele não gostava de admitir mas ter a atenção do diretor do orfanato não era algo legal, aquilo causava inveja nas outras crianças e as consequências só caiam sobre ele.

— Mas está passando Dragon ball na TV, você não vai assistir? — Eduardo falou, e saiu andando para a sala ao lado, onde uma TV rodeada de crianças divertia o dia.

— Eu não preciso ver TV para me divertir Edu, eu tenho imaginação. — Ao olhar para trás Jasson percebeu que seu amigo já havia saído. Então voltou a olhar para a chuva, era tão estranho aquilo, água caindo do céu, molhando tudo, era um sonho entender como o universo funcionava.

Jasson olhou por aquela janela por mais alguns instantes e depois mudou o foco da visão para seu reflexo no vidro e ficou fazendo isto por um tempo, ele se imaginava na chuva, e foi em um destes instantes que uma coisa bem estranha acontecera, ao mudar o foco para seu reflexo o que Jasson vira não foi a si mesmo mas a um homem, de cabelo mais negros que o comum e olhos do mesmo jeito, então um raio cortou o céu e o trovão veio em seguida, assim terminou a diversão de Jasson naquele dia chuvoso em Teresina, capital do estado do Piauí, no Brasil.

As noites no orfanato não eram muito diferentes dos dias, a única diferença era o silêncio, Jasson não gostava muito o silêncio, nunca entendera o porquê mas era perturbador, então quando ia dormir, ele ajeitava seu colchonete bem ao lado do de Eduardo, e os dois conversavam até dormir. Geralmente eles falavam sobre o dia, mas na maioria das vezes Eduardo falava das aulas de religião que o próprio diretor dava para eles em momentos livres do dia.

— Você acha que aquela história do homem que abriu o mar vermelho é verdade Jasson? — Edu perguntava com medo, era como se acreditar em coisas fantásticas fosse perigoso para ele.

— Eu acho que sim né, afinal está escrito na bíblia. — Jasson era ingênuo até mesmo em suas opiniões mais sinceras.

— Tenho medo dessas coisas, não conte a ninguém, mas eu realmente tenho muito medo, quando eu vejo desenhos na TV fico imaginando se a gente poderia fazer algo se alguém com poderes realmente surgisse e não fosse o herói.

— Relaxa, tenta dormir sem pensar nisso, se um vilão aparecesse tenho certeza que um herói surgiria do povo. — Ser positivo era uma de suas qualidades.

Mal sabia Jasson que aquela seria sua última conversa com seu único amigo. Durante a madrugada ele acordara com muito frio e por um breve instante, ao rolar para o lado, olhou para Eduardo e pairando sobre ele havia uma sombra, Jasson se afastou assustado e ofegante, passou a mão nos olhos e ao olhar mais uma vez viu que a sombra ainda estava lá, era como se seu pior pesadelo tivesse ganhado forma, flutuando, tornando o lugar frio, com aqueles olhos avermelhados fixos nos de seu amigo, e de repente num piscar de olhos desapareceu, e Jasson desmaiou.

A lenda dos trêsWhere stories live. Discover now