O vilão

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Kael não lembrava bem do dia em que conhecera sua mãe, mas isso não era tão simples assim, era como querer lembrar do dia em que nascera, mas ele lembrava bem de todos os pesadelos que tivera deitado na mesma cama que ela, isso era impossível de esquecer. Todas as vozes, os gritos, aquele local escuro, sua face iluminada, alguém pedindo socorro, berros de perdão, e a parte mais difícil de esquecer, a doce voz dizendo: Eu te amo.

Em casa Kael se sentia livre, era como estar em uma gaiola que se queria estar, só havia ele e sua mãe ali, ela se chamava Elisa, possuía pele morena como a dele e cabelos longos e cacheados, ele amava sua mãe acima de tudo, ela sempre explicava as coisas pra ele de um jeito fácil de entender. Em um dia muito comum eles haviam saído para passear no shopping, e ele lembrava de um momento em que perguntara a sua mãe sobre quem havia construído aquele lugar.

— Mãe, quem construiu este lugar tão grande? — Ele só tinha 8 anos de idade, e sua mãe segurava sua mão, o que deixava ele com vergonha as vezes.

— Foi um homem bem rico meu filho. — As respostas dela eram sempre assim, rápidas e curtas.

— Mas eu li em um livro lá em casa que alguém chamado Deus foi quem criou todo, o homem que fez este shopping não é Deus é? — ser ingênuo era um de seus defeitos, mas sempre visto como uma qualidade.

— Não Kael, mas foi Deus que fez o homem que fez este lugar! — Ela explicou.

— Ah, agora entendi. Na escola eles não ensinam isso.

No momento atual Kael olhava o espelho de um orfanato que mal conhecia, e aos 12 anos de idade mal conseguia respirar com tanta dor em seu peito, sua mãe estava morta e ele não conseguia conversar sobre isso com ninguém. O dia do incêndio havia sido horrível, e com certeza ele tinha culpa em grande parte do acontecimento. Uma lágrima escorreu de seu rosto, seu reflexo não parecia tão mal quanto ele estava, e isto era bom. Atrás de Kael alguém vinha se aproximando.

— O que está fazendo? — Meta perguntou. Meta era um garoto legal, quando Kael chegou ele logo percebeu as semelhanças que eles dois haviam acumulado ao longo dos poucos 12 anos, semelhanças que não era legal de se ter com ninguém. A perda de alguém importante para si.

— Só me olhando no espelho, lembrando da vida antes daqui. — Kael tentava sempre parecer mais frio do que realmente era, aquilo podia manter as pessoas afastadas, e lhe dava tempo para pensar em que caminho tomar. Sem dúvidas a vida ali não era uma opção, mas fugir já era um exagero. Confusão.

— Sabe, eu acho que se você conversasse com alguém ao invés de só ficar pensando sozinho ajudaria bem mais. — Meta era diferente das outras crianças, Kael não sabia se era pelo fato de ser solitário, mas ele tinha uma bondade interior que não era fácil de entender.

— Meta... este é mesmo seu nome? Vi o diretor lhe chamando de Jasson. — Ele tentou mudar de assunto, saindo da frente do espelho e olhando para seu colega.

— Não... é que... — Ele desviava o olhar. — eu gosto do nome Meta, prefiro que me chame assim, pelo menos você.

— Entendo. — Kael sorriu e foi andando para a sala, passando por Meta.

Aquele momento lhe fez lembrar do dia do incêndio, maldita memória, maldito dia. Era aproximadamente umas 23 horas da noite quando Kael tinha resolvido levantar da cama e ir até ao banheiro, ao passar pela cozinha ele vira sua mãe, ela estava de cabeça baixa e chorando, sentada em uma cadeira da mesa de jantar, a luz estava apagada, ele continuou até o banheiro e quando voltou ela já estava em pé, de costas para ele, fumaça saia dela. Não dava para esquecer.

— Mãe... tá tudo bem? — ele perguntou.

— Sim, está meu filho. Volte para a cama. — a voz dela parecia rouca, e não tinha mais o tom suave de sempre.

A lenda dos trêsWhere stories live. Discover now