Prólogo

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Helena não conseguira pregar os olhos nesta noite, ficou sentada a noite toda abraçando os joelhos, não tinha mais lágrimas, sua barriga doía de tanto soluçar, tudo indicava que seria seu fim. Olhou novamente pra minúscula janela que dava para o pátio da prisão, ainda escuro. O frio não importava mais, pois saberia que quando raiasse o sol seria o fim, era o menor de seus problemas.

Pensou em sua mãe, em seu pai. Será que eles sabiam que ela estava presa aqui neste fim de mundo? Sua mãe e ela tinha uma relação normal de mãe para filha, mas seu pai era o luxo da vida, sempre que ele a chamava dizia: Minha pequena princesa! Ele sempre dizia que esta profissão pra uma mulher era muito perigoso, ainda mais em época de ditadura militar, decidira fazer jornalismo quando estava no primeiro ano de faculdade 1968 tinha apenas 18 anos, fazia letras, mas quando participou da manifestação dos estudantes "Passeata dos cem mil", naquele dezembro foi o divisor de águas para ela, a decisão estava pronta, iria fazer jornalismo, seu querido papai, pulou dois metros de altura, mas não teve coragem de discordar e por fim apoiar, mesmo contra vontade dele. Foi uma decisão difícil, pois como quase todas as profissões mulheres eram a minoria, mas ela encarou o desafio, nunca se arrependeu da escolha, até agora.

Quando pensou no noivo, soluçou de novo, ela amava-o demais, amor de infância, moravam juntos na mesma rua na zona leste de São Paulo, cresceram e estudaram juntos, mas Jaime, Jaime Ferdinando era o nome dele, sempre foi um idealista até mais que ela, a vida dele era combater a ditadura, na faculdade era líder dos movimentos, até que os militares começaram a rondar a rua da casa dele, isto segundo ele, ou paranoia da cabeça dele, mas enfim, ele se assustou e certo dia, despediu-se, com promessa que iria voltar quando a poeira baixar e casar-se com ela.

- Minha flor! Preciso ir, estão-me rondeando, preciso desaparecer por uns tempos. – Dissera ele.

- É coisa da sua cabeça Jaime, você vai me deixar? Como vou fazer sem você?

- É preciso! Prometo que volto! Para o nosso bem! – Dissera ele em lágrimas.

- E os nossos planos? – Helena já chorava também.

E assim, ele partiu, no inicio ela não soube dele por oito meses, até que recebeu uma carta de um homem chamado José Fernandes, e nela explicava quase tudo, sem muitos detalhes para não complicar Helena no caso de a carta ser interceptada, dizia em breves palavras que estava servindo um regimento e lutava pela França na África. As cartas eram escassas, mas em tempos em tempos chegavam algumas, sempre assinadas por José Fernandes, até que três meses atrás ela recebeu uma carta dele, dizia ele que não estava mais em zona de guerra, e sim bem próximo do Brasil, seu regimento foi destacado para defender a fronteira da colônia da França, Terre Lointaine, nesta carta ele enviou até o endereço de postagem, para que ela enviasse cartas a ele. Ela passou a enviar uma por semana, ele até respondeu algumas, antes de vir para Castela, enviou outra pra ele informando-o que passaria por Terre Lointaine para chegar a Castela, mas não sabia se ele recebeu.

Começou a chorar de novo, fazia três anos que não o via, queria ele pertinho, para ter seu consolo, seu abraço. Começou a soluçar alto, tão alto que provavelmente Rubens que estava em outra cela a escutara, ela não sabia onde, mas escutara ele soluçar algumas vezes também. Neste momento Rubens, seu fotógrafo, entrou em desespero, pois começou a gritar e bater na porta de aço:

- Me tira daqui! Por favor, não sou espião! Por favor! – Gritou por varias vezes, bateu na porta por varias vezes.

Helena escutou passos no corredor, ela ficou imóvel e engoliu o choro para escutar melhor. Molho de chaves, e barulho de fechadura e porta se abrindo com um ranger que precisava de lubrificação. Helena escutou um "Plaaattt" e um "huuurgh", o primeiro barulho era provavelmente de algum objeto atingindo o corpo de alguém, o segundo barulho era um grunhido de dor de algum homem, por certo de Rubens, pois este parara de gritar. Este show de horrores repediu por varias vezes, Helena não contou quantas vezes, pois cada vez que escutava era um choque de susto que ela tomava. A porta se fechou com o mesmo barulho de aço rangendo. O homem, provavelmente o guarda gritou algo:

Fronteira da CaveiraWhere stories live. Discover now