Capítulo II (Tatiana)

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Mesmo as pessoas que dizem que tudo está predeterminado e que não podemos fazer nada para mudá-lo, olham para os dois lados antes de atravessar a rua.

Stephen Hawking

Tatiana Kimo   com seu pequeno bebê no colo observa a pista do aeroporto de Arborenses, uma cidade de porte médio no noroeste do Paraná

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Tatiana Kimo com seu pequeno bebê no colo observa a pista do aeroporto de Arborenses, uma cidade de porte médio no noroeste do Paraná. A vidraça do segundo andar é ampla, pode-se ver a pista de pouso e a silhueta da cidade, em que se destaca a catedral da cidade, reinando sobre a área urbana. A lua de cor lilás ilumina o céu, distribuindo melancolia. Tatiana balança o filho, que dorme tranquilo. Rói unhas, um vício antigo. Traja um vestido florido e um casaco com o símbolo do Greenpeace. Brincos de frutos de jacarandá balançam em suas orelhas, seguem o ritmo do ninar. Faz duas semanas que Lokine foi fazer alguns shows e gravações, ela tem saudade de seu gordinho. Quer surpreender o marido. Sente frio, o ar condicionado do local é forte. Coloca o filho no carrinho. O pequenino não acorda, pegou firme no sono. Tatiana olha o relógio do sensophone. O atraso do voo é de mais de uma hora. Olha o , nada novo, somente a mensagem com a foto holográfica do marido com o rosto cansado e rechonchudo.

Pessoas aglomeram-se em frente aos telões hidroplasmáticos do saguão

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Pessoas aglomeram-se em frente aos telões hidroplasmáticos do saguão. Tatiana resolve verificar o que acontece. As imagens são preocupantes. O título da notícia aflige a mulher:

Ato terrorista em avião no aeroporto de Curytyby-PR.

O pânico fica estampado no rosto dela e nas pessoas do entorno, todas esperando algum parente ou amigo. Tatiana tenta ligar para o marido, mas vê seu amado ondulando no telão. O marido é levado por agentes da polícia enquanto pessoas aplaudem sorridentes. A jornalista esclarece a situação, a legenda é inacreditável:

O homem até o momento considerado o herói do voo 3033 está sendo levado para fazer seu depoimento. Alguns passageiros filmaram o momento em que o provável terrorista agrediu e matou a aeromoça Ângela Limeira. As cenas mostram que outro passageiro, ainda desconhecido, resolveu tomar uma atitude. A luta é curta e violenta, as imagens são fortes. O trágico ocorrido tem até o momento confirmados dois mortos, entre eles o provável terrorista.

Imagens tremidas de sensophones mostram um homem gordo se defendendo de ataques de outro homem alto e forte. O gordo desfere um golpe fatal com algum objeto no rosto do provável terrorista.

As mãos de Tatiana tremem. Ela reconheceria Lokine até no escuro, era ele. Seu marido envolvido em um crime. Sente tonturas, a visão turva. Respira fundo e, desajeitadamente, segue com o carrinho de bebê para o elevador. Mil perguntas flutuam na mente, transtornando-a. Como meu gordinho, pacífico e desengonçado, pode ter feito aquilo? Como? No carro, com dificuldade, coloca a criança no bebê conforto, instalado no banco traseiro. Nervosa, não consegue tirar a trava do carrinho, não consegue desmontá-lo para que encaixe no porta-malas. Chuta o objeto, chacoalha-o com força, um choro brota em seu ser.

— Com licença! Deixe-me ajudar.

Um homem destrava o carrinho, desmonta-o e o coloca no porta-malas.

— Senhora, está tudo bem?

Tatiana tem os olhos lacrimejantes.

— Sim, sim. Muito obrigada. Muito Obrigada.

— A senhora tem condições de dirigir?

— Sim, não se preocupe. — diz ela, abrindo a porta do carro.

— Você aguardava alguém do voo 3033?

­— Sim, meu marido.

— Conseguiu falar com ele?

— Não, não consegui.

— Fique calma! Minha filha também viria nesse voo. Falei com ela. Está tudo bem, graças aquele homem. Poderia ter sido pior. Os passageiros estão bem.

— Que bom! — diz Tatiana com o olhar assustado.

— Fique calma. O sensophone do seu marido deve ter tido algum problema, ele dará notícias. Agora está tudo bem.

— Muito obrigada, senhor.

Tatiana dirige, sente tonturas, pequenas distorções na vista. A cidade escura, encoberta por copas de árvores, parece possuir um terror que ela nunca havia percebido antes. O céu está nublado, a luz da lua bloqueada. As ruas estranhamente vazias. O bebê calado, indiferente ao mal-estar da mãe.

Em casa, Tatiana coloca o pequeno Louis Kimo no berço, cobre o inocente. Com o sensophone nas mãos busca o contato mais coerente. O apartamento inebria-se de silêncio, como se a cidade inteira dormisse. De súbito o aparelho vibra. O rosto de pele parda, olhos amendoados e sorriso cativante do marido aparecem no ecrã.

 O rosto de pele parda, olhos amendoados e sorriso cativante do marido aparecem no ecrã

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— Alô, Lokine. Está tudo bem? O que aconteceu?

— Tati, fique tranquila. Está tudo bem. O avião não decolou, mas estou bem.

A voz do marido soa tranquila, como sempre, porém, mais convicta que o usual.

— Eu te vi no noticiário. Foi você? Você matou aquele homem?

Tatiana ouve a respiração atípica do outro lado da linha.

— Você viu?

— Sim, vi. Não consigo digerir. Que loucura!

— Tati, aconteceu algo terrível, mas estou bem. A coisa toda acabou. Estou entrando na sala do delegado. Irei prestar meu depoimento. Existem testemunhas por aqui. Um dos passageiros é advogado, está me auxiliando. Disse que tudo vai ficar bem.

Tatiana estranhou a confiança nas palavras do marido. Nunca tinha visto ele tão confiante.

— Meu bem, cuidado. Te amo! Nós te amamos. Volta pra casa.

— Tati, espero estar aí amanhã o mais rápido possível. Amo vocês. Como está meu garoto?

— Dormindo profundamente, de um jeito que nunca vi. — Tatiana sorri pensando no filho.

— Que bom, pelo menos isso.

— Ok. Me liga de novo assim que puder.

— Claro! Tati, tenho que ir. Estão me chamando.

Nota:

Leitores, quais perguntas rondam nas suas mentes?

O Outro no EspelhoWhere stories live. Discover now