Capítulo 2

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Você está na terceira colher de canja quando escuta barulhos na varanda.

Parecem passos.

Difícil que seja um vizinho. A residência mais perto fica a 10 quilômetros. Você teria ouvido algum automóvel chegar.

Os barulhos terminam.

Sentado à mesa de madeira, você aguça a visão, à procura de algo na varanda. A visibilidade é boa: A porta principal está aberta e as luzes externas, acesas; Você porém não vê nada. Nenhuma sombra, exceto, no chão, a de insetos a revoarem as lâmpadas no teto da varanda.

Você volta a comer. Sopas nunca foram do seu agrado, mas é só o que lhe resta. Carnes, arroz, feijão, massas — tudo isso, e muito mais, você teve que abandonar, pouco a pouco, à medida que a digestão se tornava mais e mais difícil.

Você mal comeu duas porções quando escuta de novo barulhos na varanda.

Você tira os olhos do prato. Atrás de uma das janelas que dão para a varanda, há algo. Um vulto. Você só o vê por um segundo, antes que ele suma.

Você larga a colher sobre a mesa e se ergue da cadeira.

— Pois não?

Silêncio.

O único ruído, o canto de uma cigarra em algum lugar lá fora.

A passos lentos, você sai para a varanda.

Olha para os lados.

Ninguém.

O que teria visto?

Algum efeito de luz, você pensa.

Você pode jurar no entanto que se tratava do vulto de um homem.

Súbito, suas costas doem. Você se curva. Pigarreia.

Depois de alguns segundos, você se ergue.

A noite está fria.

(Só por isso vou fechar a porta)

Após fechar a porta, você a tranca com os ferrolhos.

(Por que os ferrolhos?)

Você se vira rumo à mesa.

Você grita.

À sua frente, de pé, no meio da sala, um homem.

O susto da presença ocorre para você de par com outro: a de perceber que o homem à sua frente, qual viajante do tempo, assemelha-se a alguém de épocas passadas.

Ele usa uma peruca de cabelos brancos, que lhe caem, encaracolados, até os ombros. Veste calça social e uma camisa branca, alargada nos punhos e sobreposta por um colete. Calça sapatos pretos de couro envernizado.

Findo o primeiro susto, você se pergunta quem é esse homem e como ele adentrou a casa. Mais estranho que a presenca dele é o fato de que ele lhe pareça familiar.

Você espera que ele diga algo. O homem porém se limita a te fitar, durante alguns segundos.

Daí a mais alguns segundos de silêncio, você toma a iniciativa:

— Quem é o senhor?

O homem continua a fitá-lo. Você insiste:

— O senhor está perdido?

O outro continua calado.

Você lembra que há uma casa de repouso à beira da estrada, alguns quilômetros dali. Um desgarrado, talvez? Donde então que você parece conhecê-lo?

A Última NoiteWhere stories live. Discover now