SPELAION - PARTE VII

14 7 1
                                    


"Os olhos... Olhos humanos e castanhos... Me espreitando... Querendo me pegar... me arrancar do meu mundo..." Chawla abriu os olhos e afastou uma ideia preocupante que começava a se formar no fundo dos seus pensamentos.
Bip. Bip. Bip.


O número de erros aumentou rapidamente a partir de um ponto que Chawla não conseguiu identificar, terminando com um longo biiiiiiip. Imprimiu a análise e a soltou ao lado do relatório da simulação do monge. Leu rapidamente, baixando o dedo linha por linha. "Eu sabia! O maldito monge parou completamente com a alimentação e hidratação! Mas a mudança aconteceu tão devagar e sutilmente que o computador não acusou nenhum erro. E ele fez isso sem pensar no que estava fazendo, impedindo o computador de perceber qualquer mudança na programação. Quase que por instinto..."


Chawla abriu a simulação do monge e analisou os picos de autoconsciência um por um, observando suas ações, o ambiente ao seu redor e seu organismo, procurando mínimas mudanças artificiais. "Você não atingiu o segundo nível sem passar pelo primeiro, seu safado! Você atingiu o terceiro! Agora como você conseguiu enganar o computador eu realmente não consigo compreender. Como você conseguiu mudar a sua programação? E se você sabia, se conseguia inclusive alterar a si mesmo, por que não fez nada? Passou a vida inteira meditando, sem direcionar seus pensamentos de forma que nenhum erro fosse acusado."


Chawla colocou os dois relatórios lado a lado, comparando as linhas de autoconsciência. "Seus picos retrocedem rápido demais. Praticamente despencam logo depois de subir. Por quê?", pensou Chawla fechando seus olhos, visualizando o monge na sua meditação. "Você estava testando o computador? Não, isso não faz muito sentido, essa queda na autoconsciência chama ainda mais atenção para você". Chawla se aproximou do monge na sua imaginação. Ele estava com os olhos fechados e imóvel, com exceção do leve movimento de respiração em seu peito. "O que você estava fazendo?" Chawla parou e se abaixou, ficando tão próxima do monge que podia sentir o ar da sua respiração na face. "Se eu soubesse que minha existência era simulada e alguém estivesse me observando, como eu agiria?" Uma gota solitária de suor desceu pela testa do monge contornando suas grossas sobrancelhas grisalhas e desceu vagarosamente pela sua bochecha. "Com algo monitorando cada segundo da minha vida, que reação eu teria? Medo?" A gota de suor desceu pelo queixo do monge, segurou-se demoradamente no osso do maxilar e pulou. Voou por uma fração de segundo e aterrissou na mão esquerda no colo do monge. "E o que você sentia quando o computador começava a acusar sua percepção? O que você via?". O peito do monge parou. Chawla sentiu seu corpo ser atraído em direção a boca do monge. Sua boca subitamente abriu-se em uma expressão de dor, gritando muito, mas sem expelir nenhum som. Um silêncio ensurdecedor tomou os pensamentos de Chawla. Não havia nenhum som, mas ela sentia o silêncio a invadindo por dentro, como uma multidão gritando muda e a preenchendo como um líquido viscoso e pesado. O ar fugiu dos seus pulmões e Chawla começou a se afogar. O monge abriu os olhos e os olhos humanos do corvo a encararam novamente. 

Omnes Viae: Contos Fantásticos - Completo na AmazonWhere stories live. Discover now