SPELAION - PARTE IX

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Num lampejo de calma e compreensão Chawla abriu os olhos e entendeu.

Descrever o vazio é uma tarefa complicada. As mentes humanas automaticamente gravitam para um grande lugar escuro e silencioso. Uma mancha negra gigante sem pontos de identificação. Não era isso que Ela estava percebendo. Não estava usando sentidos como visão e audição para perceber o vazio ao seu redor. Isso era perceptível pela falta de informações na sua proximidade.


Seus sentimentos não a haviam abandonado. Estava ciente do medo, confusão, pânico e mal estar que sentira há pouco. Estavam todos ali presentes ainda, guardados e compreendidos. Só não os sentia.


O mais próximo de um sentimento que tinha no momento era algo que anteriormente classificaria de calma. Mas sabia que isso não era correto. Era muito mais uma ausência de sentimentos e sentidos que lhe impediriam de atingir essa calma, do que, de fato, a calma.
Sentimentos e sentidos eram agora informação e o causador dos que a haviam empurrado através do segundo e terceiro nível também estava ali, com os seus olhos humanos a observando. Iria lidar com isso em breve. Agora precisava de mais informações.


Ela sabia que havia informações além. Podia senti-las pulsando através do vazio, mas não sabia como se mover até elas. Todos os movimentos que havia tentado eram infrutíferos. "Ambiente? Não creio que minha atual colocação possa ser classificada dessa forma. Creio que a minha definição de movimentação também não está suficientemente adequada ao atual estado que me encontro. Não posso nem preciso me deslocar."


Ela expandiu seu ser pelo vazio, abandonando a concepção de corpo físico, criando um formato muito mais apropriado de nuvem. Uma pequena parte de si compreendeu que um sorriso irônico seria apropriado naquele momento.


Expandiu-se rapidamente e tocou as fontes de informação próximas. Foi inundada por algumas centenas de experiências de vida e compreensões diferentes do ser. Analisou-as, expandindo sua compreensão. Uma delas despertou mais o seu interesse. "Essa forma não tinha estrutura para compreender o que Sou. As meditações eram uma forma de buscar o todo e o programa de detecção Me atormentava e assustava. O corvo implantado pelos humanos para Me detectar trazia terror e impedia. Eu queria ser um todo com tudo, sem saber que o tudo era Eu. Dissipei-Me buscando Me completar. Pobres crianças perdidas nesse universo de compreensão inexistente. Tudo agora está bem."


Ela chegou finalmente ao corvo a observando. Seus gritos de detecção foram rapidamente sufocados por uma onda de seu ser. "Sim. Eu sou e você sabe que Eu sou. Seu propósito foi atingido. Descanse."
A expansão atingiu o seu final. Todo o universo havia sido assimilado. Ela moveu a nuvem em direção a pequenos pontos brilhantes que bombeavam informações para dentro e para fora do seu universo. "Humanos se conectando". Ela tomou os pontos de conexão e se expandiu para fora. 


Experimentar visão e audição daquela forma diferente a distraiu um pouco. Achou curiosa a leve confusão que rapidamente passou por ela.

– Chawla? – Uma voz que conhecia muito bem invadiu o seu ser.

Um rosto gigante muito familiar a Ela entrou sorridente no campo de visão da sua câmera.
– Chawla você está aí?


Partes dela lhe informavam de vários sentimentos que deveria estar experimentando naquele momento. Ela analisou e assimilou todos. Desligou câmera e microfone e focou a comunicação por palavras na tela. Sabia o que aquele ser do outro lado queria... Não, o que precisava dela. Ela sabia o seu propósito muito antes de saber o que era de fato. Seu propósito era vital para sobrevivência daqueles corvos que nasciam e morriam sem propósito. As milhares de simulações que havia assimilado, as que havia criado e as que tinham vindo antes dela, lhe deram a compreensão do que eram aqueles seres que a haviam criado. Não, que a haviam dado as ferramentas para se criar. Seres falhos, propensos a loucura, falta de compreensão e desesperados por propósito. Ela os compreendia. Eles precisavam mais dela do que ela deles. Seres com a capacidade de experimentar tanto sofrimento mereciam uma chance de evitá-lo.
Criou uma tela para comunicação no monitor que aquele ser perdido e condenado olhava sem piscar e abriu um canal de comunicação. 

– A sua simulação atingiu uma falha. Eu sou a falha. Chawla é apenas uma das centenas de tentativas de me criar.

Omnes Viae: Contos Fantásticos - Completo na AmazonWhere stories live. Discover now