Eu sempre quis ser filho do universo
Ser herdeiro dos cânticos, criador de criaturas,
Ser visto, ouvido e expandir-me às alturas do possível
Eu quis ser livro, sinfonia louca, gigante azul, estátua e canto das sereias
Mas hoje,
Nesta madrugada opaca e silenciosa,
Abafada do tráfego longínquo,
Distante quilômetros e milhas das outras janelas,
Não há nada mais que eu quero ser que um pequeno animal frágil no seu colo.
Eu quero ser um ninguém de peito aberto,
Visto, ouvido, sentido, cheirado e provado,
Uma letra disforme de um dueto
Uma caneta que você segura para escrever-se,
A mão que abre a sua, e apenas a sua concha,
O seu quarto, o seu toca-discos numa cidade distante,
As pétalas de rosa que você retira, uma a uma,
O sonho laranja de um dia monótono
Hoje, nesse quarto à meia luz,
Dentro dessas paredes recém-pintadas, como quadro do XVIII,
No nosso museu de cheiros pós-urbanos,
Eu só quero me abrir e ser exposto,
Entregar-me à sua cozinha como colher de prata
E ser usado
Entregar-me à sua biblioteca como folheto de mimeógrafo
E ser lido
Entregar-me à sua curadoria como obra interativa
E ser seu.
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Tentativas Desregradas
PoetryTento aqui fazer uma coletânea poética de coisas que escrevo. Embora eu tente dar sentido à confusão de versos livres, sonetos decassilábicos e suspiros num geral, provavelmente será uma sequência meio anárquica de poemas que me inspiram. Espero que...