Capítulo IV: Sobre remissões e escolhas

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"Pronto para voltar atrás?"

- Sim, atrás de tudo – o homem se pôs em pé e olhou para trás uma última vez – Até de você. Minha senhora, tome.

O homem por fim entregou a insígnia a velha e correu pela ponte, o mais rápido que pode.

A floresta o recebeu, com suas sombras obscurecendo a visão. Mas recebeu, como um inverno que aparece sem ser chamado.

- BEARE! – ele gritava enquanto mergulhava cada vez mais nas sombras.

"Corre seu idiota! Desista de tudo então" sussurrava "Lixo, como vai sobreviver sem mim? O que vai te proteger?".

Willahelm sentia a frieza da floresta, não havia luz, não havia calor ali, mesmo quando as milhares de sombras vieram, não havia calor, era estar perdido numa multidão.

Ele mal as conseguia ver a sua frente, com os olhos cerrados podia distinguir algumas poucas sombras, estas que estavam ali a menos tempos, outros homens atormentados sem nada de peculiar, exceto seus traumas.

Eram tantas, aumentavam a cada milésimo, tantas sobras de vidas que trombavam nele, cada qual correndo em uma direção. Willahelm lutava para não cair, com os pés tropeçando em raízes de pura escuridão por todo o chão e os terríveis fantasmas o empurrando.

"E agora, qual o plano? Por que nunca tem um plano? Você é muito burro. Vamos ficar parado, é o melhor" o escudo martelava a mente do guerreiro, forçava a ficar ali, "é o mais seguro, a frente só pode piorar, você quer mais humilhação?".

Já não se chamava corrida aquela cena, era só uma luta para andar em meio a multidão. E ele lutava, era só o que podia fazer.

Gritava em desespero para continuar enquanto usava o escudo para se proteger contra as sombras que o atacavam.

"Por que você nunca consegue admitir que está errado?" disse seu escudo.

E foi honesto, como só a raiva e o medo podem ser.

O homem, já completamente perdido começava a enfraquecer. Ele olhou para o chão e viu a escuridão subir por seu corpo, não havia tempo para ser fraco. Tomado das últimas forças que seu corpo tinha, ele tomou a decisão mais difícil da sua vida.

- Eu sinto tanto – admitiu sozinho, no frio da multidão, acabou chorando lágrimas sinceras, não só daquilo. Lágrimas de peculiaridades várias que nenhum livro poderia bem explicar.

A suas proteções foram abaixadas, afinal, não só o escudo se soltou dele por fim, sua visão tremulava e com elas, as sombras sumiam.

O sol invadia o chão, onde haviam sombras subindo por seu corpo ele encontrou as flores, infinitas, amarelas como o sol, irradiando vida.

O escudo sumiu na relva, onde fora deixado, a frente caminhou ele, sempre em frente, com as lágrimas limpando sua visão, que a muito estava escurecida pelo ressentimento.

A casa estava lá ainda, esperando, como se o fogo nunca houvesse destituído ele de propósito, passado a cabana de madeira, intacta e com crianças brincando.

A árvore onde brotava as primeiras flores amarelas. Era começo de primavera, mas já? Precisaria trabalhar tanto para compensar a demora, mas isso ele se preocuparia depois.

Entrou pela porta da frente, foi até a cozinha, de onde vinha as risadas.

- Você demorou para voltar – disse Beare – Achei que tinha desistido mesmo. Depois de vinte anos.

O homem riu de leve e se sentou na mesa. Ele não desistia, não disto. Sua mulher pôs ovos com linguiça no seu prato. Haveria trabalho, ela sabia.

- Fico feliz que tenha se encontrado meu amor.

- Desculpa a demora. Já é o fim do inverno? - disse o homem.

- Aqui o inverno não chega meu amor – disse a mulher se sentando.

- Vocês viram as flores nascendo lá fora? São um amarelo puro – disse o homem sorrindo.

- Prefiro rosas brancas – comentou a menina, coma rebeldia típica de jovem.

A Estrada IpsocêntricaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora