Capítulo 77 - Daniel

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Daniel

Sabe qual é a maior mentira que o afastado da igreja conta para si mesmo? Que quando ele quiser, ele pode voltar a qualquer momento, que nada o impede.
Se não fosse pelo obreiro me ajudando, eu tenho certeza que teria desistido antes mesmo de tentar.
Eu não imaginava que seria tão difícil recomeçar! Eu não sentia vontade de fazer nada, não sentia vontade de ir a igreja, de ler a Bíblia, de orar... Mesmo sabendo que eu precisava daquilo, a vontade não vinha.
Mas eu comecei a fazer, mesmo sem vontade, eu fui fazendo as coisas.
Sabe quando você começa a praticar exercícios e nos primeiros dias você começa a sentir dores pelo corpo?
Você sabe que os exercícios vão te fazer bem e por mais que você queira apenas ficar parado até aquela dor passar o único jeito daquela dor parar definitivamente é você continuar fazendo os exercícios.
Ou seja, você só vai calar aquelas dores continuando com aquilo que está te causando dor, porque aquela dor será apenas momentânea e libertadora.
Parece maluquice pensar nisso, não é? Mas é exatamente assim a vida com Deus.
Você chega na igreja cheio de dores, no meu caso era a minha vida financeira, minha vida familiar, minha vida sentimental, minha vida espiritual... Todas as áreas estavam cheias de dores, e a única dor que poderia anular todas essas, era a dor do sacrifício.
Quando eu sacrificasse o meu orgulho, a minha vontade e o meu eu. Ainda que a minha carne não quisesse, ainda que doesse, eu sabia que a dor do sacrifício era a única dor que anularia todas as outras.
Estávamos no meio de um propósito, e sem pensar duas vezes, peguei o envelope que o pastor disponibilizava no Altar. Faltava apenas uma semana para acabar.
Ninguém falou que eu precisava fazer, mas dentro de mim eu me coloquei a disposição de Deus.
Até mesmo fazer um voto financeiro antes era algo que eu não gostava, eu já não tinha muito dinheiro e ainda ia dar para a igreja?
Mas naquele meu estado eu via que nem se eu tivesse todo o dinheiro do mundo mudaria a minha situação, e eu realmente fui contra todos os meus ideais e pensamentos.
Sem emprego, com dívidas das mensalidades da faculdade e com risco do meu nome ficar sujo, fiz tudo que estava ao meu alcance.
Vendi o meu notebook, e mesmo que já fosse algo que doesse, peguei aquele dinheiro, comprei água e fui vender do outro lado da cidade.
No sábado a noite eu organizava tudo para poder levar o meu sacrifício. Ali dentro não estava apenas algo material, mas estava o antigo Daniel.
O antigo Daniel que já sabia de tudo.
O antigo Daniel que se orgulhava de ser um bom filho, um bom cristão e um bom amigo.
O antigo Daniel que nunca havia conhecido a Deus de verdade.
Meu celular tocou e eu atendi:
-Fala, Daniel! -A voz de Eduardo do outro lado da linha era animada.
-E aí. -Respondi baixo. Fazia tempo que Eduardo e eu não conversávamos. Ele era um dos meus amigos da faculdade.
-Tu sumiu!
-É tava resolvendo umas paradas aqui.
-Você parece meio cansado... Não quer vim aqui em casa, não? -As palmas das minhas mãos começaram a suar. -Chegou uma remessa nova da boa, e os caras não podem vim, e eu tô com a maior vontade de usar.
Vou confessar, minha garganta secou e o meu coração começou a acelerar. Durante aquela semana eu havia ficado tão focado em fazer mais para Deus que eu não tinha pensado na droga, até aquele momento.
-To indo. -Respondi sem pensar.
Peguei o envelope com o dinheiro coloquei no bolso da blusa de frio e sai de casa.
Eu só conseguia sentir o desejo tomando conta de mim, eu queria aquilo!
Mas para poder atravessar a ponte que levava a cidade eu precisava passar em frente a igreja primeiro.
Já era tarde da noite, mas ela ainda estava aberta e a luz iluminava toda a rua.
Pode parecer besteira, mas aquela luz clareou meus pensamentos e consegui pensar além do meu desejo.
O que eu estava fazendo?
Olhei para a Ponte do Silêncio, a luz do poste havia queimado e estava totalmente escuro.
Eu tinha uma escolha, voltar para as trevas que estava sendo a minha vida ou aceitar a luz.
E eu sabia que qualquer escolha que eu fizesse naquele momento, eu não teria outra oportunidade, algo dentro de mim falava, gritava e parecia implorar.
Não pela droga, mas por uma mudança de vida!
Corri até a porta da igreja que o pastor fechava.
-Pastor! -Gritei e segurei a porta de aço sem me importar se aquilo estava me machucando.
O pastor levantou a porta e olhou para mim assustado.
-Daniel? O que você está fazendo aqui tão tarde? Já passou da hora de eu fechar as portas da igreja!
-Eu sei! -Falei desesperado, me lembrei da parábola das dez virgens em que o noivo chegava a meia noite e apenas as que estavam aguardando e vigiando puderam entrar, as outras ficaram nas trevas porque não haviam dado a devida importância. -Eu posso entregar o meu voto hoje?
-Hoje?
-Agora! Por favor! -Eu sentia como se fosse chorar, tamanha era a minha vontade e anseio por mudança. -Se eu não entregar, eu não sei se vou conseguir esperar até amanhã!
O pastor Samuel concordou e eu entrei. Corri até o Altar e me ajoelhei, coloquei meu rosto no chão e chorei.
Chorei desesperado.
-Meu Deus, eu quero viver. Quero estar preparado, quero que a luz esteja dentro de mim, quero te conhecer! Por favor! Eu não aguento mais! Não posso mais continuar sem te conhecer! Eu não aguento! Faz tanto tempo! -Minha voz sumiu, eu só queria e como eu queria!
E assim como o noivo recebeu aquelas mulheres que estavam esperando por ele, eu pude sentir Deus me recebendo.
Foi algo que eu nunca havia experimentado em toda a minha vida, foi uma alegria que eu não sabia descrever! Aquela paz nenhuma substância no mundo poderia prover!
Ah! Eu havia encontrado o meu Noivo, eu havia voltado para o Meu Caminho, eu estava em Casa.
Meu Pai havia me aceitado e eu havia conhecido o Deus de quem tanto ouvi falar por anos!
Me levantei e sem me conter abracei o pastor Samuel. Agradeci e sai da igreja quase pulando de alegria pelas ruas.
Finalmente, depois de tanto tempo, eu tive uma noite tranquila.
Quando acordei, algumas mensagens e ligações perdidas.
Abri as mensagens e me sentei na cama.
Ana havia acabado de me informar, Eduardo havia sofrido um acidente de carro na madrugada de hoje, e não havia resistido.
Fechei os olhos.
Quem me garantiria que eu não estaria dentro daquele carro também?
Mas a maior garantia eu tinha agora... Da minha salvação.

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