Capítulo 80 - Heitor

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Heitor

Depois que meu irmão havia ido me visitar eu tinha ficado muito mal, por conta da morte da nossa mãe.
Mas em nenhum daqueles dias de Visio, Henrique deixou de ir. Eu falava que não era necessidade, mas era, eu queria que ele me visitasse, a sua presença me fazia bem.
Ele vinha, insistia e lia um versículo da Bíblia para mim. No começo eu deixava com aquele receio, mas não queria brigar, eu não tinha forças para brigar mais, era a minha família, a única que havia me sobrado, então eu tinha que me aproximar.
Logo que os dias se passaram, eu comecei a deixar ele ler, até que em uma das visitas ele trouxe duas bíblias.
Ele deslizou sobre a mesa e me entregou.
-O que é isso?
-É para você.
-Henrique... -Ri em tom irônico. -Você sabe...
-Sei, irmão. Sei que tem dificuldades com a leitura, mas acho que se você se esforçar um pouquinho, isso vai te ajudar.
-Eu não quero, não, Rick. Valeu mesmo.
Os lábios do meu irmão se fecharam em frustração, mas ele concordou:
-Quando você quiser...
-Pode ter certeza, você será o primeiro a saber.
As semanas de passaram e eu ganhei a condicional.
Eu não poderia ficar ali na Vila, eu tinha muitas pessoas que eram contra mim e queriam que eu morresse.
Bati na porta de casa, uma parte de mim ainda torcia para que fosse a minha mãe que abrisse a porta, era o que ela mais queria.
A vida não era justa, mas eu entendia que era porque eu não andava na justiça.
Olha só, quem diria? Eu entendendo a Bíblia que Henrique havia recitado para mim.
Bati palmas e a porta se abriu, Helena apareceu. Os olhos enormes, iguais os da nossa mãe.
-Thor? -Ela ficou surpresa.
-Leninha!
Ela me abraçou e me arrastou para dentro de casa.
-Eu queria tanto ir te visitar na cadeia, mas o Rick disse que era melhor não, que cadeia não é lugar para mulher, mal ele sabe... Enfim, deixa para lá. Você recebeu todas as cartas que escrevi?
-Cada uma delas. Estou em condicional, posso cumprir o restante da pena em liberdade!
Helena mais uma vez me abraçou, disse que Henrique estava na igreja e que poderia demorar um pouco.
-Bem, eu não estou com pressa. -Ri.
Conversamos bastante, Helena me ofereceu um pouco de cuscuz que havia feito, assistimos televisão e acabei cochilando em seu colo.
Igual fazia quando era mais novo, no colo da mamãe.
-Olha, assim eu vou ficar com ciúmes! -Acordei com a voz de Henrique, que chegava e colocava as chaves em cima da mesa.
-Venha que tem um espacinho para você aqui.
Era um sofá ridiculamente pequeno, nós nos apertamos e sentamos.
-Queria que a mamãe estivesse aqui para ver isso. -Falei.
Nós três choramos, foi inevitável.
Era um choro de tristeza, sim, mas eu estava aliviado. Aliviado por mesmo tendo feito tantas coisas erradas, eu ainda tinha uma família.
Contei tudo para os meus irmãos, e Henrique também contou sobre seu dia e como estava indo no novo emprego, contei que não poderia ficar ali, que ainda existiam pessoas que queriam a minha cabeça.
Os dois concordaram com seriedade, mas antes que Henrique pudesse falar algo, Helena abriu a boca:
-A mãe tinha me dado algum dinheiro para eu voltar para casa... Mas na verdade eu não tenho casa, acho que você precisa mais desse dinheiro do que eu. -Ela pegou a carteira, era pouco, mas já dava para mudar de cidade.
-Lena...
-Por favor, aceite.
Nossa irmã não falava nada sobre o que passava, nem como era sua vida lá na onde morava, mas não discuti, concordei e entreguei o dinheiro para Henrique:
-Você compra a passagem para mim, enquanto vou na delegacia amanhã organizar todos os papéis para eles permitirem a viagem?
-Com certeza.
De manhã, quase madrugada, me despedi de Helena, quando fui me despedir de Henrique ele colocou a Bíblia em minhas mãos.
-Não aceito um não.
-Sim, senhor.
Nos abraçamos.
-Juízo, viu?
-Acho que agora vai.
Depois daquele dia ia demorar muito para eu voltar a ver meus irmãos, mesmo que tivéssemos celular, eu não ligava constantemente.
Ah, e sim. Demorei muito para acertar o Caminho.
Quando cheguei na cidade, me envolvi com coisas erradas novamente.
A Bíblia que Henrique havia me dado havia ficado embaixo da cama.

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